Percepções da criança e do adolescente com câncer frente ao diagnóstico e tratamento da doença

Sección: Originales

Cómo citar este artículo

Moura Silva G, Yuriko Kameo S, Okino Sawada N. Percepções da criança e do adolescente com câncer frente ao diagnóstico e tratamento da doença. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2014; 4(4):15-24.

Autores

1Glebson Moura Silva, 2Simone Yuriko Kameo, 3Namie Okino Sawada

1Enfermeiro, mestre em saúde e ambiente pela Universidade Tiradentes (UNIT), docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Brasil.
2Mestre em Enfermagem Fundamental pela Universidade de São Paulo–Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto–Brasil. Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
3Docente Associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo–Brasil.

Contacto:

Email: glebsonmoura@gmail.com

Titulo:

Percepções da criança e do adolescente com câncer frente ao diagnóstico e tratamento da doença

Resumen

Objetivo: conocer la percepción de los niños y adolescentes que se enfrentan al diagnóstico y tratamiento del cáncer.
Metodologia: investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria, utilizando para la recolección de datos una entrevista semiestructurada. El análisis de los datos se basó en el análisis de contenido, centrado en categorías temáticas.
Resultado: los resultados muestran un predominio de la leucemia entre los 40 encuestados, los niños y adolescentes con cáncer que muestran su vida establecen una limitación notable de su escenario vital, la confirmación del cáncer y su tratamiento influye directamente en el estilo de vida del paciente, la presencia de un niño con cáncer afecta a toda família.
Conclusiones: la forma de hacer frente a la enfermedad y la muerte está relacionada con la fuerza de la fe. El cáncer para el menor es visto como algo que causa cambios físicos, sociales, mentales y espirituales.

Palabras clave:

cáncer ; niño ; adolescente ; familia ; espiritualidad

Title:

Perceptions on cancer diagnosis and therapy in children and adolescents

Abstract:

Purpose: To know perceptions on cancer diagnosis and therapy in children and adolescents.
Methods: A qualitative, descriptive, exploratory investigation based on data collected through a semi-structured interview. Data analysis was based on a content analysis focused on thematic categories.
Results: Results show leukemia is the predominant diagnosis among 40 respondents; children and adolescents with cancer show a significantly limited life scenario; cancer confirmation and cancer therapy have a direct impact on their lifestyle; the presence of a child with cancer affects the whole family.
Conclusions: The way the disease and death is coped with is related to faith strength. Children and adolescents see cancer as something resulting in physical, social, mental and spiritual changes.

Keywords:

cancer; child; adolescent; family; spirituality

Portugues

Título:

Percepciones de niños y adolescentes con cáncer frente al diagnóstico y tratamiento de la enfermedad

Resumo:

Objetivo: o estudo objetivou compreender a percepção da criança e do adolescente frente ao diagnostico e tratamento do câncer.
Método: trata-se de pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, para coleta de dados utilizou-se a entrevista semi-estruturada com uso de questões norteadoras. Foi realizado análise de conteúdo dos dados, com foco nas categorias temáticas.
Resultados: os resultados evidenciaram predominância de leucemia entre os 40 entrevistados; as crianças e adolescentes com câncer mostram que sua vida configura um cenário de marcante limitação; a confirmação do câncer e do seu tratamento influencia diretamente no estilo de vida do paciente; a presença de uma criança com câncer afeta toda a estrutura familiar; uma das formas de enfrentamento da doença e morte está ligada à força da fé.
Conclusão: o câncer para o paciente infanto-juvenil é visto como algo que acarreta mudanças físicas, sociais, mentais e espirituais.

Palavras-chave:

cáncer; criança; adolescente; Família; espiritualidade

Introdução

Em todo o mundo cresce o número de neoplasias malignas, neste sentido, pesquisas são realizadas na intenção de melhorar o entendimento acerca do câncer, bem como expandir as possibilidades de cura. Frente ao diagnóstico, o paciente se depara com uma situação completamente nova, onde haverá espaço para perguntas não respondidas. O interesse de enveredar nos caminhos que levaram a compreensão da problemática do câncer partiu da necessidade de melhor compreensão do câncer em crianças e adolescentes no Hospital de Urgências, do estado de Sergipe, Brasil.
O câncer infanto-juvenil (abaixo de 19 anos), é considerado raro quando comparado com tumores de adultos, corresponde entre 3% e 10% de todos os tumores malignos. Uma Estimativa realizada pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) revela que ocorrerão cerca de 11.840 casos novos de câncer em crianças e adolescentes com até 18 anos de idade. Em países desenvolvidos, o câncer pediátrico é a segunda causa de óbito entre 0 e 14 anos, atrás apenas dos acidentes, onde atualmente, se destaca como a mais importante causa de óbito nos países em desenvolvimento, sendo que isto talvez se deva às atuais políticas de prevenção em outras doenças infantis (1).
O câncer é uma doença clonal, ou seja, sempre que as células de um tumor canceroso são examinadas geneticamente, elas são originadas de uma simples célula, assim, diferentemente de outras doenças que requerem um grande numero de células modificadas, o câncer é resultante de proliferação descontrolada de uma simples linhagem celular que leva a invasão de tecidos vizinhos  (2).

Na maioria dos casos frente ao diagnóstico de CA o paciente tende a ficar estressado, tenso, coberto de incertezas e que pode levar um processo doloroso para eles e seus familiares. A verdade é que, quando a criança e um adolescente são acometidos por um câncer, a família se desestrutura devido, primeiramente, ao impacto da notícia seguido de mudanças na rotina e o medo iminente da morte.

Quando o indivíduo se depara com uma doença grave, como o câncer, alguns tendem a procurar além dos tratamentos quimioterápicos e radioterápicos, os tratamentos alternativos, dentre eles, o apego espiritual. Para Nascimento et al (3), o apego espiritual é essencial para o tratamento de doenças crônicas como o câncer, entra em evidência quando o indivíduo se encontra em situações de estresse emocional, doença física e morte, buscando sentido para os acontecimentos, a integridade, a paz, a harmonia e a individualidade. A espiritualidade produz sentimentos de esperança, amor e fé em uma perspectiva de subjetividade e transcendência. Não é diferente com as crianças acometidas de câncer e seus familiares. A religião e a espiritualidade se tornaram porta certa de alivio emocional e até mesmo físico para os pacientes oncológicos.

Segundo Piaget (4), uma criança marca uma modificação decisiva no desenvolvimento mental. Nessa faixa etária, ocorre um duplo progresso com relação à socialização, ou seja, a criança consegue se concentrar quando trabalha sozinho, e se apresenta colaborativo quando há vida em comum, não sendo tão diferente com o adolescente. Entende-se que no processo saúde-doença, a criança e o adolescente sempre terão o poder de tornar o seu estado clínico altamente complexo, em algo sucinto e simplório. Sua mente em formação pode ter uma ideia sobre o problema, tendo assim uma válvula de escape frente à patologia, como também pode levá-lo a total incompreensão, conformando-se com centenas de perguntas sem respostas.

O câncer também é um problema social, pois quando existe o descobrimento de tal patologia, na sua grande maioria, o que mais assusta os pacientes é o tratamento com quimioterapia, tratamento este que tem como pode ter como evento adverso a queda de quase todos os pelos do corpo. Uma criança ou um adolescente se olha no espelho e observa que seu cabelo não está como os dos seus colegas, logo, um afastamento no meio em que vive se torna evidente. Tanto pra um adulto como para um infanto-juvenil, a exclusão social é de grande valia, sendo que ambos recebem esse novo estagio de vida com mais dificuldade.

Para um paciente com câncer, se faz necessário expandir seu conhecimento acerca desta patologia. Um paciente infanto-juvenil deve compreender melhor o que está enfrentando, só assim terá subsídios para enfrentar a doença, juntamente com sua família. Sendo assim, se faz necessário expandir o conhecimento científico de forma clara para o paciente pediátrico, tendo como finalidade principal a compreensão acerca da doença.

Nesta perspectiva, este estudo objetivou compreender a visão da criança e do adolescente frente ao diagnostico e tratamento do câncer, tendo como objetivos específicos identificar a percepção de ambos frente ao câncer, os problemas referentes ao isolamento social, a interferência do tratamento na qualidade de vida da criança e do adolescente, e a importância da família frente ao tratamento e ao exercício da espiritualidade.

Metodologia

Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, exploratória e descritiva, sendo optado realizar pesquisa de campo, com a finalidade de se observar os fatos e fenômenos tal como ocorrem espontanemante. Para Minayo (5), o estudo qualitativo é o que se conforma melhor a investigações de grupos e seguimentos delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para análises de discursos e documentos.

O processo de análise das informações seguiu o proposto no método de análise de conteúdo de Bardin (6) e foi organizado em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

O local de estudo foi o setor de oncologia pediátrica, inserido no Centro de Oncologia Dr. Oswaldo Leite (COOL) do Hospital de Urgências de Sergipe Governador João Alves Filho (HUSE), na cidade de Aracaju-Sergipe-Brasil.

A amostra definida para este estudo foi composta por crianças e adolescentes com diagnóstico histopatológico confirmado de neoplasia maligna, possuírem capacidade de classificar objetos, noções de casualidade, tempo, espaço, volume, operações lógicas, formando esquemas conceituais nos princípios da lógica formal.

Para coleta de dados foi utilizado a técnica de entrevista semi-estruturada, com perguntas abrangentes a serem respondidas dentro de uma conversação informal. As entrevistas foram gravadas com a devida autorização dos responsáveis e resoluções brasileiras, com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e concordância com o mesmo, ficando (após coleta de assinatura) de posse de uma via deste documento (a outra via em posse da pesquisadora), em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Obteve-se ofício de liberação para o campo de pesquisa nº0119/2012, carta de aprovação do Comitê de Ética nº0027/2012. Foi preservado o anonimato dos entrevistados, onde seus nomes foram substituídos pelas siglas: S1, S2, e assim por diante, sendo S referente à palavra sujeito da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas no período de janeiro a julho de 2013.

Resultados

A amostra foi composta por quarenta indivíduos, 22 do sexo masculino e 18 do sexo feminino, sendo 16 crianças (faixa etária entre 10 e 11 anos) e 24 adolescentes (faixa etária entre 12 a 18 anos). Em relação ao grau de instrução, 26 cursavam ensino fundamental e 14 ensino médio. Quanto ao diagnóstico, 47,5% apresentavam leucemia, 10% linfoma, 20% tumor do SNC e 10% neuroblastoma, conforme Tabela 1.

Os dados foram agrupados em quatro categorias seguindo características comuns encontradas nos discursos que trazem relevância para o tema proposto: Categoria 1 - o câncer sob o olhar da criança e adolescente, categoria 2 - o tratamento do câncer e as consequências no aspecto social, categoria 3 - O papel da família frente ao tratamento da criança com câncer, 4 - a fé como pilar de sustentação.

Categoria 1 - O câncer sob o olhar da criança e adolescente

Ao questionar sobre o que é o câncer obteve-se a seguinte resposta:

“Tá, antes só de ouvir esse nome eu já ficava apavorada, ‘câncer’ [...] mas antes no fundo, no fundo antes de eu ter o resultado pelo próprio médico eu sentia lá dentro, por que eu fiquei seis meses esperando a biopsia chegar, e nesse meio tempo eu cheguei pra minha mãe: ‘mãe eu acho que eu tô com câncer!’ Minha mãe quase me mata, pegou um desespero: ‘minha filha você é doida? ta maluca? Não fala isso não!’ Mas depois que chegou o resultado, ai eu vim aqui e vi que não era esse bicho de sete cabeças [...] é ruim [...] ninguém quer[...] mas depois que acontece a gente enfrenta com a cabeça erguida com muita fé... serviu também pra aumentar minha confiança em Deus [...] é isso!”. (S3)

S2, quando perguntado sobre o conceito do câncer relatou:

“Há [...] é [...] câncer é ruim, é difícil, complicado, mas também tem uma parte boa, eu não vou pra escola dia de quinta, (risos) ai tem que ser assim mesmo”.

Categoria 2 - O tratamento do câncer e as conseqüências no aspecto social

Os relatos acerca da visão e compreensão dos seus amigos sobre o câncer foi a seguinte:

“Eles me deram muito a mão na hora que eu mais precisei deles (S1-S40) [...] eles foram amigos mesmo, estiveram juntos e iam sempre a minha casa me visitar, me dar palavra de conforto, de ânimo, porque é isso que faz com que a gente se reestabeleça né?” (S27)

S19 fala sobre as mudanças sociais e físicas ocorridas:

“Mudou pra pior, porque tive que trancar minha faculdade, porque ainda estou em processo de ‘quimio’, ai me deixa um pouco debilitada [...]”.

Categoria 3 - O papel da família frente ao tratamento da criança com câncer

Foi questionado aos pacientes deste estudo, qual o comportamento da família frente ao câncer e o seu tratamento, buscando entender se existe apoio ou não no combate à doença.

“Me apoiam, me incentivam (S1-S40) [...] eu tenho uma irmã que é muito chorona (...) quando ela (...) no inicio que ela soube, eu estava com ela no médico. O médico falou que eu tinha câncer, ela que começou a chorar, e eu comecei a rir, mas ai me ajudam da melhor forma.” (S11)

S9 descreveu o seguinte:

“Há (...) minha mãe saiu do emprego [...] e acho isso muito bom, por que minha mãe nunca ficou comigo, sempre no emprego, sempre no emprego (...) é (...) fica o dia todinho só comigo e assim”.

Categoria 4 - A fé como pilar de sustentação ao exercício da espiritualidade

Foi unânime neste estudo, as respostas referentes ao apego espiritual e a fé em Deus como o principal auxiliador. A religião sai do meio apenas cultural, se tornando algo prático, motivacional. Quando perguntado sobre como a religião e a fé em Deus o ajuda no combate direto ao câncer deram os seguintes relatos:

“Me ajuda muito porque minha fé em Deus aumentou (S1, S6, S13, S25, S38). Sempre nas minhas orações antes eu pedia: ‘Jesus aumenta a minha fé em Ti’ [...] e nesse problema eu vi que a minha fé aumentou, porque a gente se apega muito a Deus [...].” (S2)

O S1 relatou o seguinte:

“A fé me ajudou em primeiro lugar Deus né? Em segundo os médicos, porque assim, quem não tem fé não tem nada! E mesmo que a gente não consiga ver esse Deus, mas a fé é o firme fundamento das coisas que não se veem, mas que se sente! O ar [...] nós não vemos o ar, nós sentimos o ar, e nós sabemos que o ar existe, então eu coloquei em primeiro lugar Deus na minha vida, que eu iria vencer a batalha, e venci!”

Discussão

A leucemia é a doença maligna mais comum na infância, correspondendo aproximadamente a 30% dos casos de câncer da criança. Os tumores mais frequentes na infância e na adolescência são as leucemias, os do sistema nervoso central e linfomas (1).

A faixa etária apresentada pela amostra, é a fase em que o adolescente pode criar novos códigos de conduta moral, construindo seus próprios valores, adquirindo, então sua autonomia (4).

Na categoria 1, o câncer sob o olhar da criança e adolescente, a percepção da criança e do adolescente configura-se quase sempre em tendências e ideologias culturais, pois se apegam muitas vezes a atos e comportamentos não justificáveis. O fato de ser acometido por alguma doença que a machuca, acaba impedindo o ciclo natural de seu desenvolvimento, possibilitando um novo aprendizado.

As crianças e os adolescentes com câncer mostram que sua vida configura um cenário de marcante limitação. Há restrições relativas aos processos orgânicos gerados pela doença, mas muitas das perdas são produzidas pela cultura, que transforma o doente em sua doença e o vê em suas impossibilidades, ao invés de privilegiar suas potencialidades (7).

A palavra câncer apavora e por muitos motivos tal palavra não foi muito utilizada na íntegra nos questionamentos, foi substituída por doença ou problemas, pois existe uma grande rejeição em falar desta patologia, não só para com os pacientes, mas também para com os familiares.

Segundo Oliveira et al (8), o bom humor e a confiança são fundamentais para o sucesso no tratamento do câncer. Pesquisas afirmam que a tristeza e a depressão afetam o sistema imunológico, deixando o paciente mais vulnerável às doenças. Enfrentar a enfermidade é uma decisão pessoal, mas parentes e amigos podem ajudar neste processo.

Foi mostrado por um dos participantes, que é possível ter bom humor, mesmo quando a dor, o medo e a incerteza dominam. Para um adulto/idoso que já obteve uma grande parcela da vida, tende-se mais facilmente a ser pessimista, valorizando a derrota frente a uma doença com mais facilidade. Para uma criança ou um adolescente, mesmo não gostando do que está sentindo, poderá identificar a doença e combatê-la com mais facilidade, pois o futuro é seu combustível, mantendo-se, quase sempre, com a autoestima elevada.

Para Chapman e Chapman (9), o humor pode ser uma técnica terapêutica útil nas mãos de alguns. O humor pode ajudar um doente a ver episódios e situações dolorosas da sua vida sob perspectivas menos ameaçadoras e pode retirar sentimentos de ansiedade e culpa provenientes de muitos acontecimentos e situações.

Na categoria 2, o tratamento do câncer e as conseqüências no aspecto social, encontrou-se que é entre 7 e 18 anos que, provavelmente, as crianças e adolescentes terão as maiores descobertas e experiências de suas vidas, sendo estas nos aspectos físico, mental, social e espiritual. Toda criança ou adolescente tem a necessidade de comunicar-se com as demais pessoas de sua faixa etária contribuindo assim para a construção do seu meio social. Quando ambos são impedidos de prosseguir na sociedade, isso acarreta uma grande mudança em seu ser, prejudicando seu desenvolvimento natural. Parte deste estudo foi entender como as mudanças comportamentais entre sociedade e amigos dos pacientes acometidos com câncer, identificam e descrevem a doença.

A confirmação do câncer e do seu tratamento influencia diretamente no estilo de vida do paciente, seja ele adulto ou pediátrico. Os amigos, família e sociedade estão diretamente envolvidos no tratamento. Ao trabalhar com pacientes oncológicos, a preocupação não deve estar limitada a frequência e a severidade das doenças, mas também com a avaliação de medidas de impacto da doença e comprometimento das atividades diárias, medidas de percepção da saúde e medida de disfunção/status funcional (10).

A mudança de comportamento social, associada a mudanças físicas e biológicas devido ao início do tratamento, foi quase unânime em todos os entrevistados.

Lemos, Lima e Melo (11), afirmaram que com a chegada da doença, a criança percebe que esse evento interfere na sua vida e no seu núcleo familiar, ocasionando mudanças no cotidiano de ambos. Para a criança, o início do tratamento indica que terá que se submeter a uma série de procedimentos desconhecidos e dolorosos. Observamos que a doença coloca a criança/adolescente em contato com exames, procedimentos e aparelhos e palavras desconhecidas, como também com termos incompreensíveis.

A sociedade tem o poder de ditar regras que devem ser seguidas para o bem estar de um grupo de pessoas ligadas a mesma cultura. Quando uma pessoa desvia um pouco dos padrões sociais, seu espaço de aceitação se diminui, gerando conflitos e preconceitos daqueles que permanecem “sociáveis”.

Na categoria 3, o papel da família frente ao tratamento da criança com câncer, observar e evidenciar a existência da doença traz sofrimento para todos os familiares, sendo que alguns são potencialmente mais fortes e podem saber do diagnóstico sem se abalarem. Mas em sua grande maioria a família recebe a notícia e se tornam mais frágeis, e esses devem ser poupados, dentre estes se incluem os enfermos (12).

A família geralmente está presente em todos os momentos da vida de um ser humano, mesmo que seja à distância. Para um paciente infantojuvenil é necessário, em todos os aspectos, que a família o acompanhe, pois parte do aprendizado da vida se obtém através de exemplos domésticos. Quando são acometidos por uma doença, a criança e o adolescente tendem a sair do seu universo solitário, buscando assim, na figura do ser responsável (geralmente pai e mãe) uma solução.
Segundo Damião e Ângelo (13), o choque da descoberta é muito forte. A família apesar de estar buscando saber o porquê da criança ou adolescente não estarem bem, nunca espera que o diagnóstico seja uma doença séria e incurável. Este é um dos momentos, onde a família sente-se completamente fora do controle da situação vivida.

Para Nascimento et al (3), a presença de uma criança com câncer afeta toda a família e tem, ainda, o potencial de romper profundamente a sua estrutura, porém, à medida que seus membros adaptam-se à doença, seus papéis e responsabilidades podem mudar, não seria diferente para com os adolescentes.

A família recebe o impacto sobre a notícia da doença na mesma proporção do paciente, ou até mais. Eles se sentem na obrigação de serem fortes quando na verdade gostariam que tudo aquilo acabasse antes mesmo de começar. Mas existe um ponto positivo no comportamento entre paciente e família.

Segundo Nascimento et al (3), para se retomar o equilíbrio familiar, deve-se incorporar a criança à rotina doméstica, tentando adaptá-la ao novo estilo de vida, tem sido um objetivo dos pais. Paralelamente à necessidade de retomar a “normalidade”, estes buscam substituir os sentimentos de “incerteza” que permeiam sua experiência, pela “certeza” de que a doença está sob controle ou que está sendo manejada adequadamente.

Pode-se observar uma aproximação familiar em alguns relatos, onde o próprio paciente demonstra a satisfação de ter a mãe do lado, transformando algo ruim e difícil como o câncer em algo produtivo, que seria a presença física de sua genitora.

Enfatizando a importância da família, Azevedo et al (14) enfatizaram que a proximidade familiar, seja profissional/doente ou familiares/doente contribui para a construção de uma visão mais ampliada do modo de vida do paciente, com construção de vínculos mais duradouros e respostas ampliadas durante o tratamento.

Na categoria 4, a fé como pilar de sustentação ao exercício da espiritualidade, percebeu-se que acessar a dimensão religiosa e espiritual de um paciente representa uma compreensão mais profunda de suas crenças e valores, permitindo atender melhor suas necessidades. As crenças religiosas e espirituais proporcionam possibilidades de significação e respostas às perguntas existenciais que se colocam diante da doença e possibilidade de morte. A religião é um instrumento de explicações que ajudam a dar significado às experiências de doença e morte.

A espiritualidade, religiosidade ou crenças religiosas mostram-se condutoras dos comportamentos dos familiares ao se moverem para um estado de adaptação e ajustamento à doença e morte. Auxiliar pacientes e familiares a encontrar significados para suas experiências ainda se coloca como um desafio para os profissionais de saúde, principalmente, devido ao despreparo dos profissionais de saúde (15).

Guerreiro et al (16), afirmam que uma das formas de enfrentamento da doença e da morte, estão diretamente ligadas à força da fé e as crenças religiosas, ou seja, formas de expressar a espiritualidade. A fé em Deus é um sentimento arraigado na nossa cultura e é tão necessária quanto são outros modos de enfrentamento; o discurso mostra que a dimensão espiritual ocupa um lugar de destaque na vida das pessoas e mostra também que é imprescindível conhecer a espiritualidade dos usuários ao planejar o cuidado de enfermagem.

Já para Alves et al (17), as relações entre religião e saúde tornaram-se assuntos crescentemente visíveis nas reuniões sociais, de comportamento e ciências da saúde. Dentre as várias questões a serem consideradas, o presente trabalho apresenta uma breve discussão sobre as relações entre a saúde e a religiosidade no processo de cura e tratamento de doenças. Várias investigações mostram que a participação religiosa está relacionada a efeitos benéficos para pessoas que estão em recuperação de doenças físicas e mentais, inclusive a psicologia aborda questões especiais sobre as correlações positivas entre convicção e prática religiosa, saúde mental, física e longevidade.

Referente à prece e a oração, Guimarães e Avezum (18) apontaram que a prece é uma prática milenar de diversas e distintas religiões, tradicionalmente associada a bem-estar, promoção de saúde, introspecção e espiritualidade. Essa prática passou a ser tema de pesquisa e discussão intensa desde a década de 1980, com diversas e distintas posições e achados.

O referido autor afirma ainda que há correlação entre a religiosidade/espiritualidade e a saúde física, mas por ainda não ser adequadamente robusto em suas provas e correlações, este constitui, sem dúvida, em amplo e promissor campo de investigação.

O cuidado espiritual na enfermagem pediátrica oncológica ainda se constitui em um desafio para o enfermeiro. O fato de ser uma questão que suscita debate no campo da ciência e da saúde faz com que o enfermeiro ainda apresente uma postura insegura diante do tema. Muitas dificuldades são apontadas pelos profissionais para a abordagem do assunto, inclusive a falta de conhecimento e inabilidade para lidar com o mesmo, mas há que se reconhecer a posição privilegiada da equipe de enfermagem para tal, pois está sempre próxima de seus clientes (3).

Considerações Finais

Conclui-se com este estudo, que o diagnóstico de câncer nos indivíduos infanto-juvenis, criou uma desestruturação física, emocional, social e espiritual na vida destas pessoas, devido a uma série de procedimentos desconhecidos e dolorosos. Mas por outro lado, pode-se observar, um amadurecimento no que diz respeito ao comportamento familiar seguido de mudanças no estilo de vida.

As mudanças, sendo estas sociais e físicas, ocorreram em todos os pacientes entrevistados, sendo verificada nas falas, que jamais se estará preparada mentalmente para enfrentar algo como o câncer, a necessidade de mudança surgirá, e cabe aos necessitados assumir, juntamente com sua família, o desejo de continuar lutando.

Além dos amigos, a família foi relatada como sendo a base forte no combate ao câncer, pois esta compartilhou diretamente o impacto que foi desde o diagnóstico ao prognóstico, sendo este positivo ou não. A família absorvia a noticia do câncer na mesma proporção que o paciente, assumindo de imediato a responsabilidade pra si.

Outra temática muito explorada neste estudo foi à fé em forma de ciência e conforto. A fé, neste estudo, surgiu em forma de religião, crença e cultura, que consequentemente transcendeu a ideia apenas de cura física. A espiritualidade mostrou-se relevante no combate ao câncer, pois mostrou ao paciente infanto-juvenil uma nova descoberta. Nesta faixa-etária, poucos ensinamentos acerca da fé são passadas como forma de conforto frente à necessidade, mas sim como algo cultural e hereditário. É no enfrentamento da doença que o paciente tende a encontrar essa nova descoberta, que poderá se tornar um grande aliado contra o câncer, não só para o paciente, mas também para com a família.

Apesar das comprovações que este estudo possibilita, não será descartado o fato de que sempre haverá surpresas com os conceitos sobre a vida, a morte, a doença e a cura, sob o olhar de quem muitas vezes julgamos infantis, mas que na verdade se mostram e se portam como pessoas vitoriosas independente do resultado final e de seu prognóstico.

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