O estado nutricional e a alimentação infantil ameríndia: uma revisão sistemática de literatura

Sección: Revisiones

Cómo citar este artículo

Mandarano da Silva L, Aparecida Silva I. O estado nutricional e a alimentação infantil ameríndia: uma revisão sistemática de literatura. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2014; 4(2):41-53.

Autores

1Larissa Mandarano da Silva, 2Isilia Aparecida Silva

1Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Brasil).
2Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Brasil).

Contacto:

Email: lari.m@uol.com.br

Titulo:

O estado nutricional e a alimentação infantil ameríndia: uma revisão sistemática de literatura

Resumen

El estado nutricional y la alimentación infantil amerindios: una revisión sistemática de la literatura

Objetivo: las poblaciones indígenas sufren un proceso de cambio en su estilo de vida que influye en el estado nutricional de los niños.
Método: se realizó una revisión sistemática en la Biblioteca Virtual de la Salud (BVS) y PubMed, para describir el estado nutricional y la alimentación infantil amerindias en publicaciones en los años 2008-2012.
Resultados: de los diez artículos incluidos, cinco estudiaban el estado nutricional, dos la alimentación y tres ambos aspectos asociados. Los grupos estudiados fueron Kaingang, Aruak, Karibe, Surui, Xavante, Wari' (Brasil), Makushi (Guyana) y Tarahumara (México), tribus de Wisconsin (EUA) y Awajún (Peru). Los niños menores de cinco años tienen de moderada a elevada prevalencia de retraso en el crecimiento. De 5 a 12 años, se encontró con sobrepeso asociado con retraso en el crecimiento.
Conclusiones: el consumo de alimentos industrializados depende del acceso a los centros urbanos, la ingesta de fibras, la cantidad y la variabilidad de las comidas se reducen. El estado nutricional y alimentación infantil amerindia siguen siendo científicamente desconocidos porque los estudios se limitan a ciertos grupos étnicos.

Palabras clave:

Índios norteamericanos ; índios centroamericanos ; índios sudamericanos ; estado nutricional ; nutrición del niño

Title:

Nutritional status and American Indian children diet: a systematic literature review

Abstract:

Purpose: a lifestyle change is currently occurring in native populations, with an impact on children nutritional status.
Methods: a systematic review was performed based on a 2008-2012  literature search in Biblioteca Virtual de la Salud (BVS) and PubMed databases, in order to describe nutritional status and children diet in American Indians.
Results: ten articles were selected. Among them, five papers reported nutritional status, two reported diet, and three discussed both related issues. Kaingang, Aruak, Karibe, Surui, Xavante, Wari' (Brazil), Makushi (Guyana) and Tarahumara (Mexico), Wisconsin tribes (USA), and Awajún (Peru) population groups were studied. Children younger than five show a moderate-to-high growth delay. Overweight was found in 5-12 year-old children, associated to growth delay.
Conclusions: refined food use depends on access to towns, fiber intake, and reduced number and variation in food intake. Nutritional status and diet in American Indian children are still  unknown from a scientific point of view because existing studies are limited to a few ethnic groups.

Keywords:

North-American Indians; Central-American Indians; South-American Indians; nutritional status; children' nutrition

Resumo:

Objetivo:as populações indígenas sofrem um processo de mudanças no seu estilo de vida, influenciando no estado nutricional infantil.
Método: realizou-se uma revisão sistemática na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Pubmed, para descrever o estado nutricional e a alimentação infantil ameríndia em publicações de 2008 a 2012.
Resultados: dos 10 artigos incluídos, cinco estudaram o estado nutricional, dois a alimentação e três associaram ambos. As etnias estudadas foram Kaingang, Aruak, Karibe, Suruí, Xavante, Wari’ (Brasil), Makushi (Guyana) e Tarahumara (México), Tribos de Wisconsin (EUA) e Awajún (Peru). As crianças menores do que cinco anos apresentam de moderadas a elevadas prevalências de baixa estatura. Nas de cinco a 12 anos, encontrou-se sobrepeso associado à baixa estatura.
Conclusões: consomem alimentos industrializados conforme o acesso aos centros urbanos, a ingestão de fibras, a quantidade e a variabilidade dos alimentos são reduzidas. Os estudos sobre o estado nutricional e a alimentação infantil ameríndia são restritos a determinadas etnias.

Palavras-chave:

Índios Norte-Americanos; índios Centro-Americanos; índios Sul-Americanos; estado nutricional; nutrição da criança

Introdução

As populações ameríndias apresentam uma considerável diversidade quanto ao estilo de vida, práticas alimentares e condições de saúde-doença, as quais variam conforme suas relações interétnicas e inter-raciais, suas oportunidades de acesso aos bens de consumo e aos serviços de saúde.
O estado nutricional e a alimentação são importantes indicadores das condições de saúde de uma população. No caso das crianças indígenas, os distúrbios nutricionais delineiam um quadro desfavorável caracterizado por variações entre desnutrição e obesidade, de acordo com a região e população estudada (1).
Na população indígena, devido as acentuadas diferenças étnicas e regionais, faz-se necessário o conhecimento dos estados nutricionais de cada grupo ameríndio específico pelos indicadores antropométricos.
O levantamento e análise de pesquisas sobre o estado nutricional e alimentação de crianças ameríndias poderá proporcionar um panorama do perfil nutricional infantil das etnias e das regiões já estudadas, podendo contribuir para o planejamento de programas específicos para melhoria das condições de saúde e nutrição infantil, além de, direcionar futuros estudos para as etnias menos estudadas.
O objetivo deste estudo foi o de descrever o estado nutricional e a alimentação de crianças ameríndias apresentados em publicações científicas dos últimos cinco anos.

Método

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura sobre o estado nutricional e a alimentação de crianças ameríndias, baseada nas diretrizes do método PRISMA (2) (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses).
Nos portais da Biblioteca Virtual em Saúde e Pubmed foram buscadas publicações dos últimos cinco anos, por meio dos seguintes descritores e ou MeSHs: Amerinds, Indians, South American Indians, North American Indians, combinados com Nutritional Status, Nutrition, Diet e Nutritional Child e Child Health. Destas combinações foram encontrados 201 artigos no total, dos quais foram excluídos 30 repetidos. Os 171 restantes foram analisados pelos resumos, resultando na exclusão de 157 estudos por se tratarem de teses ou manuais, por não enfocarem o assunto ou por serem realizados com não indígenas, dos 14 selecionados, ainda foram excluídos 04 por se restringirem a crianças com idade acima de 12 anos ou adolescentes, dentre estes um estudo foi realizado na Colômbia, um na Argentina e dois nos Estados Unidos da América.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) (3) considera crianças aquelas na faixa etária do zero aos 10 anos de idade, no entanto, optou-se pela inclusão dos estudos realizados com crianças com até 12 anos de idade para o estado nutricional seguindo a classificação do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (4), e 14 anos para a alimentação.
O idioma de publicação não fez parte dos critérios de inclusão, todos os estudos encontrados foram escritos em inglês ou espanhol.
A definição utilizada para classificação das comunidades estudadas como indígenas ou não foi a de que um grupo de pessoas pode ser considerado indígena ou não se estas pessoas se considerarem indígenas, ou se assim forem consideradas pela população que as cerca (5). Portanto, foram excluidos estudos que utilizaram denominações diferentes da indígena, realizados com povos aborígenes canadenses e das zonas do ártico denominados nativos, esquimós ou inuit (Canadá), além dos astecas e maias.
Não foram excluídos estudos pelo nível de evidência científica, pois os 10 artigos selecionados foram analisados, também pelo segundo revisor e classificados, segundo Sandelowisk e Barroso (6) como “achados fortes” por estarem completos, sem viés e responderem à pergunta norteadora: Qual o estado nutricional e como estão se alimentando as crianças indígenas do continente americano?
Foram identificados nos artigos as variáveis consideradas quanto ao tema, métodos e técnicas de pesquisa, amostra ou população e resultados.

Artigos Selecionados

Foram selecionados 10 artigos nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem on-line (MEDLINE) e Literatura Latino- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), publicados entre os anos de 2009 e 2012. Dentre estes, cinco foram realizados no Brasil, um nos Estados Unidos da América, dois no México um no Peru e um na Guyana.
Dentre os artigos selecionados, cinco estudaram o estado nutricional (7-11),dois a alimentação infantil indígena (12,13) e três associaram ambos (14-16) (Tabela 1). Entre os brasileiros (7-11), dois foram realizados com índios Kaingang um no Rio Grande do Sul (10) e outro no Paraná (7). É na região Sul, do Brasil, onde se encontra um maior número de índios desta etnia. Três estudos foram realizados no Mato Grosso (8,9,11), sendo que um deles englobou Rondônia com as etnias Suruí, Xavante e Wari’ (8), e outro o Alto do Xingu, que corresponde à região sul do Parque Indígena do Xingu, sendo estudadas as etnias Aruak (Meinaco, Waurá e Yawalapiti), Karibe (Kalapalo, Kuikuro, Matipu e Nafuquá) (9).

Os dois estudos mexicanos foram realizados com índios Tarahumaras na Serra de Tarahumara, Estado de Chihuahua (15), sendo que um especificou o município de Guachochi (13).
Seis comunidades indígenas peruanas Awajún do Rio Cenepa foram estudadas pelo Centro de Populações Indígenas e Nutrição da Universidade de McGill (Canadá) (16).
Wilson et al (14) da Universidade de Calgary (Canadá), realizaram sua pesquisa em 11 vilarejos da Guiana com índios Makushi, povo de filiação linguística Karibe que habita a fronteira entre o Brasil e Guiana nas cabeceiras dos rios Branco e Rupununi.
Tribos localizadas na cidade de Madison, Estado de Wisconsin, Estados Unidos da América, foram as únicas populações indígenas norte americanas selecionadas (12).
Observa-se que os periódicos são voltados para as áreas de Saúde Pública, Nutrição, Epidemiologia, Saúde Materno-Infantil e Pediatria. Seis estudos são do tipo transversal (7-11,13), três são transversais e retrospectivos (14-16) e um ensaio clínico (12).
Os estudos de Orellana et al (8) e Castro et al (10) restringiram-se ao estado nutricional. Entre os temas estudados em associação ao estado nutricional, têm-se os fatores associados à ocorrência de agravos nutricionais (7), as condições socioeconômicas e demográficas (11) e a hemoglobinemia (9), analisada por meio de uma amostra sanguínea com um analisador portátil.
Três estudos pesquisaram o estado nutricional e a alimentação infantil (14-16). Um foi realizado no México e associou o estado nutricional e a alimentação à hemoglobinemia e atividade física diária (15). Roche et al (16) relacionou o aleitamento materno e a alimentação complementar ao estado nutricional infantil indígena no Peru.
Wilson et al (14) relacionou ao estado nutricional o grau de isolamento ou nível de integração na sociedade branca por meio do acesso às áreas urbanas, número de irmãos e as influências da sazonalidade nas condições de nascimento das crianças, na alimentação e na incidência de doenças regionais.
Os estudos (12,13) investigaram somente a alimentação, o de Espino-Monarrréz et al (13) avaliou a adequação e variação da dieta servidas à escolares indígenas, e o estudo realizado em Madison (EUA) relacionou a alimentação infantil à atividade física (12).
Os estudos (7-11,14,16) foram realizados com crianças menores do que cinco anos de idade (Tabela 2). Sendo que os de Mondine et al (9) e Wilson et al (14) também estudaram crianças maiores do que cinco anos.

Em todos os estudos houve a inclusão do número total de crianças residentes no local do estudo, desde que fossem da etnia e faixa etária pesquisada.
Nos artigos foi especificado o uso de instrumentos antropométricos conforme as recomendações da OMS (3,) alguns detalharam a marca e modelo da balança e do antropômetro.
Para coleta dos dados antropométricos os estudos realizados também, utilizaram as referências da OMS (3), que recomenda que crianças com idade superior a 23 meses tenham a estatura aferida na posição ortostática, enquanto em crianças menores o comprimento deve ser aferido na posição dorsal, mediante o uso de antropômetro portátil, com precisão de 0,1 cm. Para a aferição do peso, deve ser utilizada balança eletrônica com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 0,1 kg. As crianças com menos de 10 kg, devem ser pesadas em balança específica ou seu peso deve ser aferido no colo da mãe, subtraindo-se posteriormente o peso do adulto para a obtenção da medida da criança (Tabelas 2 e 3).

Os conjuntos de curvas de crescimento utilizados como referência foram os da OMS (3,17,19) e do National Center for Health Statisitcs (NCHS) (18) (Tabelas 2 e 3).
Os índices altura/idade (A/I), peso/idade (P/I), peso/altura (P/A) e o índice de massa corporal (IMC) para a idade foram os descritores do estado nutricional. Porém, o estudo de Mondini et al (9) apresenta apenas como descritores do estado nutricional para as crianças menores de 5 anos os valores da AI e PA.
Valores de escore z < -2 para os índices AI, PI e PA foram utilizados em todos os estudos, para caracterizar baixa estatura para a idade, baixo peso para a idade e baixo peso para a estatura, respectivamente. Valores de escore z > 2 para o índice de P/A foram considerados como indicativos de sobrepeso. Nas crianças de 24 a 59 meses, valores de escore z > 2 para o IMC foram informativos de sobrepeso (Tabelas 2 e 3).
Nos artigos analisados, a conversão dos valores antropométricos (estatura e peso) em escores z foi realizada por meio dos programas Epi-Info versões 3.4 e 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Geórgia, EUA) e WHO-Anthro 2005, versão Beta e Plus 2007 (WHO, Department of Nutrition, Genebra, Suíça) (Tabelas 2 e 3).
A análise dos dados foi realizada nos programas SPSS versão 9.0, 13.0, 15.0, 16.0 e R 2.4.1, Stata versões 7.0 e 8.0, Estatística versão 6.0. Foram realizados testes t de Student e qui-quadrado (χ2), regressão de Poisson, testes de Wald, análises univariada e multivariada, Fisher's qui-quadrado, Pearson's correlação e múltipla regressão, Prova Paramétrica Mann-Whitney, consideraram-se estatisticamente significativos os valores de p < 0,05 (Tabelas 2 e 3).
Castro et al (10), estudou também os adultos e idosos matriculados nas escolas e Wilson et al (14) adolescentes e jovens até 20 anos, no entanto, apresentaram os resultados fracionados por faixa etária.
Os cinco artigos (Tabela 4) que abordam a alimentação de crianças indígenas foram realizados com as tribos indígenas da cidade de Madison, Estado de Wisconsin (EUA), os Awajún do Perú, os Tarahumaras do Município de Guachochi, Estado de Chihuahua no México e os Makushi da região norte de Rupununi na Guiana.

Os estudos (12,14,16) utilizaram entrevistas do tipo recordatório das últimas 24 h para coletarem os dados sobre a alimentação, recordatório com pesagem dos alimentos (15) e a observação, pesagem dos alimentos sólidos e medida dos líquidos (13) (Tabela 4).

Resultados

O estado nutricional de crianças ameríndias de 0 a 5 anos das etnias Kaingang, Suruí, Wari’, Makuxi, Aruak, Karibe e Xavante (Tabela 2)

A antropometria Kaingang na faixa etária de 0 a 5 anos apresentada por Kuhl et al (7) revela um quadro semelhante ao descrito para outras comunidades indígenas no país: baixas prevalências de baixo peso diagnosticadas pelos índices de PA e IMC, enquanto que a baixa estatura para a idade (24,8%) apresenta-se como o principal déficit antropométrico, seguido pelo baixo PI (9,2%).
Os índices de sobrepeso pelo IMC e pelo PA entre as crianças menores de dois anos Surui e Xavante (8) foram semelhantes aos das crianças menores de cinco anos Kaingang da Terra Indígena de Mangueirinha (7) e inexistiu entre as crianças menores de dois anos Wari’8, já os índices de baixa AI foram mais elevados entre estas crianças 68,3% e mais reduzido entre as Suruí e Xavante (8), 38,6% e 42,3%, respectivamente. Independente do conjunto de curvas de referência utilizado para a descrição do estado nutricional das crianças Suruí, Xavante e Wari', as análises apontam para elevadas prevalências de desnutrição (8).
Dentre as crianças Xavantes do Mato Grosso (8) estudadas, 29,9% de 0 a 5 anos possuiam baixa estatura para a idade, e 4,5% baixo peso, enquanto que 1,5% apresentavam-se em sobrepeso. Nas de 0 a 2 anos, pelas referências do NCHS (18), 16,9% tinham baixa estatura para a idade e 6,9% baixo peso, apresentando índices mais favoráveis do que os índices de baixos PI (29,8%) e AI (29,2%)8, nas mesmas referências.
As crianças Wari’8 apresentaram condições mais desfavoráveis de baixa estatura e peso para idade, 68,3% e 45,0% respectivamente, em relação às Kaingangs (7), Xavantes e Suruí (8).
As crianças menores de cinco anos Aruak e Karibe (9) revelaram como principais resultados: a elevada prevalência de déficit de estatura, 32,68% e 21,67% respectivamente, e baixo PI de 0,75% e 0,73%. Estas etnias apresentaram as mais baixas porcentagens de crianças com déficits de peso para a idade e os Karibe o menor número de crianças com baixa estatura para a idade, semelhante aos Kaingang (7).
No Peru, 39,4% das crianças da etnia Awajún16, apresentaram quadro de déficit de altura pela idade, semelhante às porcentagens encontradas nas crianças Suruí (8) com 38,6% de baixa estatura.
A etnia Makushi (14) localizada em território estrangeiro, cujas crianças de 0 a 5 anos apresentaram condições favoráveis em relação às etnias localizadas na região amazônica brasileira. Ressaltando-se que estes habitam a porção amazônica na Guiana. Entre as crianças menores do que 23 meses, a porcentagem de baixa estatura para a idade é de 12% e de peso para a estatura é de 1%. E entre as de dois a cinco anos, 10% estão com baixa estatura e 2% com IMC indicativo de desnutrição.

O estado nutricional de crianças ameríndias de 5 a 12 anos das etnias Kaingang, Xavante, Aruak, Karibe, Makuxi e Tarahumara (Tabela 3)

Entre as crianças Kaingang do Rio Grande do Sul, de cinco a 10 anos observou-se baixo percentual de déficit pelo índice PI (1,4%), sendo destacadas prevalências de déficit estatural para idade (15,5%) e de excesso de peso pelo PA, de acordo com o critério OMS19 de 11%. Pela OMS3 não foi encontrado excesso de peso pelo PA, somente pelo IMC 5,7% (10).
Nas crianças Aruak e Karibe do Alto do Xingu (9) de cinco a 10 anos, o déficit estatural nas Aruak foi três vezes maior ao observado entre as Karibe, 21,79% e 6,9%, respectivamente. A condição de baixo peso praticamente inexistiu, sendo nula nas Aruak e 0,86% nas Karibe, enquanto a prevalência de excesso de peso (PA) foi elevada entre as crianças de ambos os povos, 10,26% e 7,76%.
Entre as crianças Tarahumaras de seis a 12 anos existe a prevalência de déficit de crescimento de 30% entre as crianças tradicionais, com índices acima dos apresentados para a população mexicana. Reduzido déficits de AI (3,4%) para as crianças semi-tradicionais por possuírem melhores condições de acesso às escolas, onde fazem parte de suas refeições. As crianças urbanas ocupam uma posição intermediária com 10% de baixa AI. O sobrepeso (PA) aparece em 7,4% das crianças tradicionais, em 8,6% das semi-tradicionais e em 22% das urbanas, apresentando um aumento na medida em que se aumenta o grau de urbanização, pelo maior consumo de alimentos urbanizados (15).
As crianças Tarahumaras (15) tradicionais mexicanas apresentam a maior porcentagem de crianças com déficit de crescimento pelo índice AI (30%) quando comparadas com as crianças das etnias Kaingang do Rio Grande do Sul (10) (15,5%), Karibe 6,9% e Aruak 21,79% do Alto do Xingu (9). Já o sobrepeso pelo índice PA é maior nas Tarahumaras urbanas (22%)15, sendo que nas Kaingang é nulo (10), nas Karibe é 7,76% e nas Aruak é de 10,26% (9). Estes resultados sugerem que a condição de sobrepeso é crescente em relação ao grau de urbanização, enquanto que a de baixa estatura é decrescente ou inversamente proporcional.
Nas crianças indígenas brasileiras estudadas, as Karibe (9) do Alto do Xingu apresentam condições nutricionais mais favoráveis em relação as demais.
Ferreira et al (11), apresentou para as crianças Xavante de 5 a 10 anos os resultados dos índices antropométricos na referência NCHS18, impossibilitando comparações com outros estudos. Para baixa estatura para a idade tem-se 9,1% e ausência de déficits de peso para a idade e sobrepeso de 2%.
As crianças Makushi (14) não apresentaram alterações no IMC, estando dentro dos padrões de normalidade. No entanto, as porcentagens de déficit de crescimento ainda são altas 19%, e está apenas abaixo das porcentagens da etnia Aruak (9), com 21,79%.

Alimentação infantil ameríndia de zero a 14 anos de idade (Tabela 4)

As crianças Awajún (16) peruanas de zero a dois anos possuem uma nutrição adequada com alimentos complementares e aleitamento materno, no entanto, existem variações nas práticas da amamentação e alimentação complementar entre as mulheres, incluindo variações no grau de introdução de alimentos industrializados.
A alimentação complementar das crianças entre 12 e 23 meses Awajún (16) contém a quantidade de nutrientes recomendadas, mas a quantidade de ferro, zinco, cálcio e vitamina A na alimentação das crianças de seis a 11 meses é inadequada. Os alimentos tradicionais indígenas provém 85% das necessidades energéticas, e possuem mais nutrientes do que os alimentos industrializados que estão sendo introduzidos na comunidade. O aleitamento materno exclusivo não é praticado por 48% das mulheres, as quais já introduziram alimentos complementares antes dos seus filhos completarem seis meses de idade.
O estudo de Balcáza et al (15) relaciona o consumo de alimentos industrializados com o acesso aos centros urbanos e estado nutricional de crianças Tarahumaras mexicanas de seis a 12 anos, classificadas como tradicionais: população de pastores de cabras nas serras, não recebem educação formal nem ajuda alimentar; semi-tradicionais: escolares do município de Guachochi, estudam em um sistema de internato e possuem acesso aos serviços de saúde e comércio, possuem melhores condições de acesso às escolas, onde fazem parte de suas refeições; urbanos: crianças migradas das serras e município acima para a cidade de Chihuahua, maior consumo de alimentos urbanizados,
Espino-Monarréz et al (13) estudou somente as crianças escolares em sistema de internato de seis a 14 anos, e concluiu que a dieta consumida é hipercalórica por excesso de lipídios e com um conteúdo insuficiente de vitaminas B9, B12 e A, com proteínas balanceadas. A quantidade de sódio varia nas refeições diárias servidas, algumas superam a quantidade diária recomendada. No entanto, segundo o estudo de Balcáza et al (15), estas crianças apresentam condições mais favoráveis de acesso aos alimentos quando comparadas às Tarahumaras tradicionais, e à uma alimentação mais adequada em relação às urbanas.
LaRowe et al (12) estudou crianças pré-escolares indígenas de dois a cinco anos das tribos indígenas da cidade de Madison, Estado de Wisconsin, forneceu a alimentação e a sugestão de um novo cardápio e de atividades físicas a 135 crianças escolhidas aleatoriamente, 3 dias depois foram avaliadas a alimentação, os nutrientes e o quanto aumentou a glicemia. As crianças não comem o recomendado em relação às frutas e verduras, e excedem o recomendado para a ingestão de açúcar, com alto consumo de bebidas adocicadas. Estas crianças possuem facilidades no acesso aos alimentos industrializados.
A alimentação em geral, e o aleitamento materno dos Macushi (14) são influenciados pelos fatores ambientais amazônicos. Na época do período de final das chuvas até o meio do período de seca, o leite humano possui menor quantidade de gordura e de algumas vitaminas. E a disponibilidade de alimentos é menor, pois é a partir do meio do período de seca que os alimentos cultivados durante a época chuvosa, estão propícios ao consumo. No meio do período de seca o início da alimentação complementar ocorre com uma disponibilidade adequada de alimentos.
Os meninos Macushi (14) consomem quantidades menores de alimentos quando comparados às meninas, por diferenças na distribuição alimentar entre os sexos. E os vilarejos considerados isolados possuem condições melhores de cultivo de alimentos, principalmente pela proximidade aos rios, além de facilidade para a pesca. Os não isolados não consomem as quantidades necessárias de alimentos.

Discussão

Pode-se afirmar que os resultados dos estudos sobre o estado nutricional são condizentes com os respectivos perfis de saúde das populações indígenas estudadas, marcados por moderadas a elevadas prevalências de baixa estatura para a idade. Independente do conjunto de curvas utilizado para a descrição do estado nutricional das crianças, as pesquisas apontam para elevada prevalência de desnutrição.
As prevalências de baixo peso para a estatura são baixas ou nulas, mantendo-se, portanto, a proporcionalidade corporal entre as crianças indígenas investigadas.
A desnutrição não se trata de um achado isolado no contexto indígena, estudos recentes identificaram casos de sobrepeso entre crianças de diversas etnias indígenas (20,21). Os inquéritos antropométricos já realizados entre povos indígenas no Brasil apontaram déficits de estatura e de PI maiores do que os das crianças Kaingang da Terra Indígena Mangueirinha (7). Este quadro mais favorável se justifica pelas prevalências de até 34,7% de baixa estatura, pelo IMC foi encontrado sobrepeso de 6,4% e 12,9% de baixo peso identificadas por Menegolla et al (21).
O surgimento de casos de sobrepeso entre crianças, ainda que em prevalências reduzidas, ganha relevância diante das evidências de importantes mudanças no estilo de vida dos povos indígenas (22,23). Essas geralmente acontecem em direção à redução dos níveis de atividade física e à ocidentalização da dieta, o que inclui o aumento do consumo de carboidratos simples e gorduras, e a redução da ingestão de fibras, e parecem estar associadas ao surgimento de doenças crônicas não-transmissíveis (7,12,13,15).
A alimentação durante praticamente todo o primeiro ano de vida baseia-se no aleitamento natural, que se prolonga até os três anos de idade, aproximadamente. Mesmo antes dos seis meses, o mingau de mandioca começa a ser administrado esporadicamente, e posteriormente se introduz na alimentação o peixe e algumas frutas, atualmente observa-se a introdução de alimentos como, por exemplo, o açúcar refinado, biscoitos e guloseimas em geral (9). A introdução de alimentos industrializados à dieta está relacionada ao número de adultos na família e nível sócio-econômico (11), às condições ambientais de subsistência (10), e grau de acesso aos centros urbanos (15).
Foi observado durante a análise que os estudos sobre a alimentação infantil foram realizados nos EUA, México e Peru e enfatizam a alteração dos hábitos alimentares e estilo de vida indígena. Já os estudos nacionais ainda baseiam-se na descrição do estado nutricional.
A promoção da saúde com alimentos tradicionais precisa incluir políticas que protejam o acesso e a disponibilidade de alimentos de origem animal e vegetal, culturalmente, apropriados. Além da proteção da terra para para o cultivo.
Não foram encontrados estudos sobre o estado nutricional realizados nas demais regiões brasileiras, mesmo existindo índios nas regiões Sudeste e Nordeste. Os mesmos, ainda são restritos a determinadas populações e etnias.
Vale destacar que, os estudos sobre a alimentação infantil indígena, realizados na América do Norte e Central enfocam a aplicação de intervenções para promoção do consumo de alimentos mais saudáveis. Enquanto, que no Brasil os estudos buscam descrever o estado nutricional, inexistindo publicações dos últimos cinco anos sobre a alimentação infantil. Talvez, isto se deva à grande extensão territorial brasileira com diversos grupos ou etnias indígenas, as quais apresentam distintas características sócio-econômicas e culturais. Isto impossibilitou um melhor agrupamento estatístico dos resultados, constituindo uma limitação para uma meta-análise.
No entanto, devido à semelhança dos resultados apresentados nas pesquisas analisadas, tanto o estado nutricional quanto a alimentação puderam ser concluídos, mas pela heterogeneidade das populações indígenas ameríndias os resultados não podem ser generalizados.
Esta revisão sistemática proporcionou a apresentação do panorama das publicações e, a análise e síntese dos resultados das publicações, do estado nutricional e alimentação infantil ameríndia.
Pesquisas que englobem tanto o estado nutricional quanto as práticas e hábitos alimentares infantis e o aleitamento materno, devem ser desenvolvidas.
O monitoramento contínuo do crescimento e o estudo de fatores determinantes do estado nutricional, além do conhecimento dos hábitos, costumes e práticas relacionadas à alimentação associadas às questões sócio-econômicas e ambientais, devem ser uma estratégia para análise das condições de saúde das crianças indígenas e para elaboração de intervenções específicas para cada população.   

Conclusões

As crianças ameríndias de zero a cinco anos apresentam déficit de estatura para a idade e as de cinco a 12 anos evidenciam um quadro predominante de sobrepeso. A alimentação das crianças de zero a 14 anos apresenta predomínio em grau variado de introdução de alimentos industrializados, com consumo de doces e reduzida ingestão de fibras, conforme ás características sócio-econômicas e ambientais.

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