Amamentação em ambiente prisional: perspectivas das enfermeiras de uma penitenciária feminina irlandesa

Sección: Originales

Cómo citar este artículo

Dos Santos Mariano GJ, Silva IA, Andrews T. Amamentação em ambiente prisional: perspectivas das enfermeiras de uma penitenciária feminina irlandesa. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2015; 5(3):15-24.

Autores

1 Grasielly Jerónimo dos Santos Mariano, 2 Isília Aparecida Silva, 3 Tom Andrews

1 Enfermeira, doutoranda da EEUSP, Programa Interunidades de Doutoramente São Paulo- Ribeirão Preto.
2 Professora titular EEUSP.
3 Professor da Escola de Enfermagem da University College Cork, Irlanda.

Contacto:

Email: grasimariano@usp.br

Titulo:

Amamentação em ambiente prisional: perspectivas das enfermeiras de uma penitenciária feminina irlandesa

Resumen

Objetivo: estudio exploratorio-descriptivo que tuvo como objetivo conocer las percepciones de las enfermeras sobre la lactancia practicada por las internas, con la profundización de los factores que influyen en la práctica y el apoyo disponible a personas reclusas y la actitud de los profesionales sobre la lactancia materna.
Método: la encuesta se realizó en la prisión femenina de Dóchas Centre, en julio de 2014, en la que se entrevistó a seis profesionales, cuyos discursos se analizaron temáticamente.
Resultados: las presas indican que salen de la maternidad y llegan a la cárcel sin haber amamantado a sus hijos, lo que parece ser un reflejo de la situación de la lactancia actual en la sociedad irlandesa.
Conclusiones: aunque hay disponible una Unidad Materno-infantil y un equipo de salud, la lactancia materna no es una práctica habitual en el centro estudiado.

Palabras clave:

lactancia materna ; enfermeria de prisiones ; Salud Pública ; salud pública

Title:

Breastfeeding in penitentiary facilities: perspectives from Irish women jail nurses

Abstract:

Purpose: An exploratory, descriptive study aimed at knowing the perceptions of nurses on breastfeeding by imprisoned women, and to perform a deep analysis of factors influencing practical issues and support for imprisoned women and the attitudes of health workers on breastfeeding.
Methods: The survey was carried out in a women jail at Dóchas Centre, in July 2014. Six health workers were interviewed and their answers were thematically analyzed.
Results: Imprisoned women reported they went to prison after maternity with no breastfeeding being performed, which seems to reflect present status of breastfeeding in Irish society.
Conclusions: Although a Maternal and Child Unit and a health team are available, breastfeeding is not a usual practice in the facilities.

Keywords:

breastfeeding; nursing in prison system; public health; public health

Resumo:

Objetivo: trata-se de um estudo exploratório-descritivo que buscou conhecer as percepções de enfermeiras acerca da amamentação praticadas por detentas, com aprofundamento em fatores que influenciam essa prática, bem como no suporte disponível às presas e atitude das profissionais em relação ao aleitamento materno.
Método: a pesquisa foi realizada na penitenciária feminina Dóchas Centre (Irlanda) no mês de Julho de 2014, em que seis profissionais foram entrevistadas, cujos discursos nos permitiu alcançar dois temas: (1) Amamentação como prática não-popular: os "porquês" atrelados às diversas questões sociais e (2) o desafio da prática assistencial no contexto da invisibilidade da amamentação.
Resultados: as participantes iluminam que as reeducandas deixam a maternidade e chegam à penitenciária sem nunca ter amamentado seus filhos.
Conclusão: Ainda que disponível uma Unidade Materno Infantil e equipe de saúde, o aleitamento materno ainda não é uma prática costumeira no estabelecimento estudado.

Palavras-chave:

aleitamento materno; aleitamento materno; prisões; enfermagem; Saúde Pública; prisões; enfermagem; Saúde Pública

Introdução

Apesar de todos os esforços para promover o aleitamento materno, o desmame precoce ainda é realidade mundial. Um documento da Organização Panamericana de Saúde¹ evidencia que entre os países da America Latina e Caribe, a República Dominicana e o México são os países que apresentam a menor taxa de amamentação exclusiva até o sexto mês de vida do bebê, com 7,7% e 14,5% respectivamente, ao passo que o Peru tem 68,3% e assume a posição mais alta do ranking (1).
Na Europa, embora estudos demonstrem relevante progresso na última década, a Irlanda tem a menor taxa aleitamento materno, em que 46,9% dos bebês foram amamentados em 2012 (2).
Os efeitos benéficos do aleitamento materno na saúde da criança e de sua mãe são bem conhecidos, mas para que as mulheres sintam-se plenas em suas capacidades de amamentar, as ações pró amamentação devem assumir o desafio de alcançar a todas elas, estejam em tribos indígenas, em comunidades afastadas ou em ambientes prisionais (3). Neste último contexto, o tema aleitamento materno na prisão não tem sido alvo de interesse dos pesquisadores na Irlanda na última década, de modo que nenhum estudo específico pôde ser encontrado nas principais bases de dados científicas mundiais referente à mulheres presas nesse país.
Ao considerar um estabelecimento penitenciário para mulheres, uma série de elementos igualmente problemáticos e polêmicos emerge, sobretudo quando aspectos da natureza feminina são percebidos como centrais nas políticas das execuções de penas - Natureza essa em que incluem-se, entre outras disciplinas, a maternidade e a amamentação.
Quando presas, muitas mulheres deixam seus filhos sob os cuidados de terceiros na comunidade (3). Na medida em que mulheres presas têm permissão para manter seus filhos pequenos consigo durante parte do cumprimento de pena, é potencial que o aleitamento materno passe também a fazer parte desse cenário (4).
O número de mulheres presas tem aumentado no mundo todo e, em alguns países, em proporção maior do que a população masculina (5). Em 2013, 13.055 pessoas foram sentenciadas à reclusão em prisões na Irlanda, sendo que 82,2% eram homens e 17,8% mulheres (6), as quais podem ficar com seus filhos na prisão por até 12 meses e amamentá-los (7).
Assim, diante da escassez de dados relativos à amamentação em ambiente prisional, nos sentimos motivados a conhecer as percepções de enfermeiras acerca da amamentação praticadas por detentas, com aprofundamento em fatores que influenciam essa prática, bem como no suporte disponível às presas e atitude das profissionais em relação ao aleitamento materno.

Métodos

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo que permitiu tornar explicitar o ponto de vista de enfermeiras de uma unidade prisional acerca do tema aleitamento materno praticado por detentas. O estudo foi realizado no estabelecimento Dóchas Centre, uma unidade prisional referência de segurança média, localizada em Phibsboro no centro da cidade de Dublin (Irlanda), em que são recolhidas criminosas maiores de 18 anos, inclusive aquelas que tem autorização para permanecer com seus filhos intracárcere. Dóchas Centre está instalada dentro do maior complexo penitenciário da Irlanda, construído em 1850, conhecido como Montjoy Prison. Há apenas duas penitenciárias femininas no país, sendo que na cidade de Limerick não é permitido que crianças permaneçam com suas mães.
A penitenciária Dóchas Centre possui uma unidade especial para mães e bebês conhecida por Unidade Materno-Infantil (Mother-Baby Unit), onde as mulheres usufruem de um apartamento privativo com cozinha equipada, espaço para recreação e lazer com as crianças até que atinjam a idade limite para o desligamento definitivo do sistema. As presas não podem receber visita íntima e, portanto, não engravidam durante o cumprimento de pena. Assim, as mulheres são detidas grávidas ou já têm bebês vivendo na comunidade no momento de seu aprisionamento que, nesse caso, podem solicitar permissão para que possam viver junto delas.
O estudo atendeu às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa da University College Cork e do Irish Prison Service, os quais foram aprovados em Julho de 2014.
A equipe de saúde conta com a presença diária de um médico generalista (General Practitioner) e oito enfermeiras que se revezam para prestar assistência às mulheres 24 horas por dia. As participantes da pesquisa foram as enfermeiras da prisão, sem restrições de tempo de trabalho, identificadas por intermédio da coordenadora da equipe com a qual se estabeleceu o primeiro contato telefônico. As entrevistas foram agendadas por correio eletrônico com a coordenadora da equipe de enfermagem e por intermédio dela com as demais profissionais, de modo que puderam ser realizadas nos dias 10 e 11 de Julho de 2014, gravadas com consentimento das participante em aparelho exclusivo para gravação de voz, conforme recomendação do sistema prisional.
A coleta de dados realizou-se em local escolhido pelas participantes, que elas pudessem se sentir confortáveis para falar com liberdade, e foi balizada por um roteiro de entrevista semiestruturado com vistas a caracterizar a unidade prisional e as entrevistadas, bem como conhecer o ponto de vista das enfermeiras no que tange à situação atual de aleitamento materno praticado pelas detentas, suas complicações, dificuldades, facilidades e soluções para o seu manejo naquele ambiente.
Os discursos foram textualizados na íntegra garantindo o anonimato das enfermeiras com a troca de seus nomes para: Hope, Dream, Trust, Belief, Faith, Wish. Dóchas é uma palavra da língua irlandesa que significa Hope em inglês. Desta forma, tendo em vista que a unidade prisional tem tal palavra em seu nome, optou-se por utilizar seus sinônimos na identificação das participantes.
Os dados qualitativos foram classificados segundo seu conteúdo teórico temático pela pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados (8). Desta forma, realizou-se, inicialmente, uma leitura exploratória exaustiva para alcançar o núcleo de compreensão do texto, identificando e grupando as estruturas de relevância de acordo com seus temas. A interpretação dos dados foi realizada compreensivamente integrando a literatura.

Resultados

Do universo de enfermeiras, seis aceitaram participar desta investigação. Das duas que não participaram, uma não estava em serviço durante o período de coleta de dados e a outra não foi possível entrevistar por se tratar de profissional do período noturno. As entrevistadas tinham entre três e 15 anos de trabalho naquela unidade prisional: Dream (15 anos), Belief (sete anos), Hope e Wish (seis anos), Trust (cinco anos), Faith (três anos).
No momento da pesquisa, haviam na unidade 180 presas com idades entre 18 e 60 anos, entre elas duas gestantes. Apenas um bebê de três meses permanecia com sua mãe na penitenciária e não estava sendo amamentado.
A análise dos dados nos permitiu alcançar dois temas que traduzem a situação de aleitamento materno naquela prisão e como ela se relaciona com diversos domínios na perspectiva das enfermeiras, como cultura, educação e classes sociais: (1) Amamentação como prática não-popular: os “porquês” atrelados às diversas questões sociais e (2) O desafio da prática assistencial no contexto da invisibilidade da amamentação.

Amamentação como prática não-popular: os “porquês” atrelados às diversas questões sociais

Quando perguntadas acerca da situação atual de aleitamento materno entre as presas daquela unidade penitenciária, as enfermeiras revelam que a amamentação não é uma prática comum.   

Eu só vi uma mulher amamentar... Talvez uma! Ela teve o bebê fora da prisão e estava amamentando quando foi presa
e por isso teve que trazê-lo junto. Além dessa, mais nenhuma (Trust).

Segundo a percepção das enfermeiras, é uma característica da população feminina encarcerada estar disponível para amamentar.

O tipo de cliente com o qual lidamos não quer amamentar seus filhos. Eu acho que isso nem passa pela cabeça delas (Trust).

Em decorrência disso, chegam à unidade prisional sem nunca ter amamentado seus recém-nascidos.   

Elas nem mesmo iniciam no hospital... Elas nunca amamentaram quando chegam aqui (Faith).

A resistência das presas à amamentação parece ser um comportamento comum naquela penitenciária. Na visão dos sujeitos o aleitamento natural é considerado, pela mulher encarcerada, como apenas mais uma entre tantas opções para alimentar recém-nascidos, a qual não é a mais escolhida entre elas.
Ainda que as crianças possam permanecer junto de suas mães presas por até 12 meses, a amamentação não é uma prática que ganha espaço entre as mães.

(...) eles ficam até 1 ano, mas a amamentação não é popular para esta população que lidamos (Dream).

Os discursos das participantes evidenciam que a decisão de amamentar é influenciada por diferentes aspectos que guardam relações entre si, como a atitude individual de cada mulher, educação, cultura, classe social, ausência de promoção do aleitamento dentro da penitenciária, dificuldades com a prática da amamentação, privacidade e também a falta de apoio familiar.
Na opinião das entrevistadas, a mulher que escolhe a mamadeira por lhe faltar o conhecimento de que a amamentação seria a melhor forma de alimentar seu filho.

Eu não sei, é atitude. Acho que elas não sabem o quanto isso é bom para o bebê... (Trust).

Do ponto de vista das participantes, este comportamento não é um resultado do regime de aprisionamento, mas de contexto social, das práticas e dos costumes fora dos muros da penitenciária, influenciando, assim, a decisão sobre como vai alimentar a criança.

Atitudes não nascem aqui. Nascem antes delas (as presas) virem para cá (Dream).

O empenho necessário e exigido socialmente no exercer dos papéis materno, onde inclui-se o aleitamento materno, é entendido como um fator de impacto no processo de decisão.

Você tem que ser muito dedicada e comprometida. Por causa do comprometimento as pessoas não querem amamentar (Hope).

Segundo as enfermeiras, o comportamento negativo das presas em relação à amamentação e maternidade durante encarceramento dificulta o desenvolvimento de suas atividades em saúde. Isso porque, considerando a situação de cárcere, as detentas procuram criar uma rotina que lhes dê a sensação de liberdade para o uso do tempo, de maneira que uma criança naquele contexto demandaria dedicação materna integral para seus cuidados. Tal comportamento pode ajudar a explicar o baixo número de mães presas que amamentam e, ao mesmo tempo, o baixo número de mães que permanecem com seus filhos na prisão.

Elas não querem ficar presas o dia todo, elas querem estar lá fora. Elas querem circular, se misturar com as outras mulheres. As mulheres aqui querem tempo para elas mesmas, tempo para ficar sozinha, um tempo para reflexão (Dream).

Neste cenário, onde a mulher já se encontra em privação de liberdade, os mínimos benefícios que se tem direito dentro da prisão são priorizados e valorizados, como andar pelo pátio, se socializar com as demais presas, viver uma rotina que se adeque apenas às demandas do sistema e às suas próprias vontades.
As mulheres utilizam diversas justificativas para não iniciar ou interromper a amamentação antes do sexto mês de vida do bebê. As entrevistas percebem que este comportamento torna-se uma prática repulsiva para as mulheres presas.

Eu acho que há muitos fatores que influenciam a decisão das pessoas sobre a amamentação, mas a maioria diz “Ah, isso dói... Ah, isso é inconveniente.... Ah!...” Só desculpas (Hope).
(...) ela não queria amamentar por que pensava que era “sujo” (Dream).

Considerar ou não a amamentação, no entanto, associa-se às condições do contexto de vida de cada reeducanda.

É cultural também. A mãe delas (das presas) provavelmente não foram amamentadas, as irmãs também não. (Faith)

Segundo as entrevistadas, as mulheres são vulneráveis às opiniões emitidas por pessoas com as quais interage em sua rotina, de maneira que os valores negativos em relação ao aleitamento materno podem ser transmitidos à ela. A ausência de suporte de familiares mais próximos é vista como um fator relevante no iniciar e prolongar da amamentação.

Mas ainda é relacionado aos companheiros e familiares delas. Não há suporte lá (na família) e elas procuram aprovação deles. (...) Eu entendo que algumas mulheres não querem amamentar e isso é porque há reação  negativa por parte de pessoas próximas a ela (Wish).

A relação negativa das presas com a prática da amamentação é construída ao longo da vida dessas mulheres, com as interações que tiveram oportunidades de fazer nos grupos social e familiar de que faz parte. Está ligada ao conjunto de valores e necessidades que se originam na família, na educação formal que se tem, na religião, refletindo nas crenças sobre o aleitamento materno. Nessa direção, as entrevistadas apontam para as relações do aleitamento materno com a interface socioeconômica, observando que a amamentação é melhor aceita por mulheres de classe trabalhadora.

Nós tivemos uma garota, mais ou menos três anos atrás, que amamentou bem. Provavelmente ela (a presa) era de  classe trabalhadora e sabia bem o que queria. Ela tinha muito suporte da família fora daqui. É uma questão de  classe porque as pessoas de classe econômica baixa não amamentam, no geral. Mas é a educação... As pessoas na  classe trabalhadora aceitam isso mais abertamente. (Wish)
Eu acho que muitas aqui são de classe econômica baixa e por isso não são educadas em amamentação (Belief).

Para além da educação formal no contexto de vida, educar aleitamento materno foi abordado pelas enfermeiras como fator chave para auxiliar a detenta a decidir acerca da melhor forma de alimentar seu filho. Assim, quanto mais elevada é a classe social, maior é a chance de receber educação. Quanto mais educada a mulher é, maiores são as possibilidades de exposição ao tema aleitamento materno, o que poderia esclarecer elementos pouco conhecidos e influenciá-la positivamente nessa direção.    

Elas não participam de aulas pré-natais quando estão na prisão. Se participassem saberiam mais sobre amamentação. É falta de educação. Os benefícios da amamentação, para o bebê, para a mãe... como amamentar (Faith).
Amamentação tem que ser uma decisão educada... Elas tem que entender os contra e os prós. A educação realmente faria elas entenderem os benefícios da amamentação. Há muita informação errada (...) muitas pensam que nem podem amamentar. Então, há muito o que fazer em educação, sabe, porque elas não entendem bem os benefícios do aleitamento. Educação é a chave (Wish).

A importância da cultura e disponibilidade que gera a atitude da mulher como elementos chaves no sucesso do aleitamento materno ganha força quando as enfermeiras percebem a desenvoltura e esforços desmedidos que as romenas tiveram para amamentar seu filho naturalmente. Segundo elas, a mulher romena com quem interagiram em ambiente prisional amamentou com muita facilidade, sem apresentar problemas durante esta prática, e não precisou ser incentivada por outras pessoas.

Eu me lembro de uma romena... eles amamentam automaticamente porque é cultural (...) não é influenciado por ninguém... Elas querem amamentar e amamentam com sucesso (Belief).
O principal grupo que eu vi amamentar aqui, na verdade, são as romenas (...) e elas tiravam o leite até para amamentar
os filhos durante as visitas (os filhos que ficavam fora da prisão inicialmente). Não era complicado e eu já ouvi dizer
que elas amamentar até os filhos das outras (Dream).

O desafio da prática assistencial no contexto da invisibilidade da amamentação

A atenção à saúde dentro da penitenciária estudada recebe impactos de problemas sociais complexos, os quais representam um desafio para as enfermeiras no desenvolver de suas atividades. A esse respeito, na prisão, algumas mulheres falam o inglês, mas não são capazes de ler um material informativo utilizado como estratégia didática em saúde, por exemplo.

(...) a maioria das pessoas aqui são analfabetas. Elas falam inglês, mas não escrevem. Então, se eu imprimir os benefícios do aleitamento e der à elas, elas podem não saber ler, não entender, você sabe, isso se torna um problema (Hope).

Além disso, há referência de que mulheres são viciadas em drogas quando são aprisionadas, visto pelas enfermeiras como uma dificuldade.

(...) E elas tem outros problemas, vício, elas tem muita coisa acontecendo e por isso acham difícil amamentar.
Elas tem muitos problemas psicossociais para lidar (Belief).

A mulher que desejar amamentar na penitenciária estudada terá todo o suporte da equipe de saúde, mas embora providências sejam tomadas para apoiar as atividades de interação entre mães e filhos, o sucesso do aleitamento materno naquela unidade prisional não está apenas na dependência de arranjos físicos privativos em que mãe e bebê possam viver.

(...) Agora há uma unidade materno-infantil (...) é como se fosse uma casa, no térreo da prisão. Poderíamos ter três ou quatro bebês, mas não há ninguém lá. De vez em quando eu vejo duas ou três grávidas lá (Belief).
Elas tem mais recursos comparado com a prisão principal (Wish).

Na percepção das enfermeiras, influências culturais trazidas pelas presas para o interior das prisões, as ações de promoção de saúde da equipe de enfermagem, em particular, não inclui o tema aleitamento materno em sua dimensão e natureza como disciplina. As mulheres presas não têm oportunidades de discutir acerca das informações específicas sobre o aleitamento materno em cursos ou encontros durante a gravidez, ainda que sejam assistidas de maneira compartilhada pela equipe de saúde prisional e pelo hospital na comunidade onde realizam as consultas pré-natais.

Não há grupo de discussão de aleitamento na prisão... eu nunca ouvi falar de grupos no hospital também. (Dream)
A amamentação realmente não é promovida aqui também, na prisão (...) (Faith).
Nós as encorajamos a amamentar... Contamos à elas os benefícios. Esse tipo de educação, mas no final o que vale é a escolha delas (Trust).

As detentas podem contar com uma equipe de saúde em período integral para atendê-las em suas necessidades.

Elas podem vir aqui... Há enfermeira 24 horas por dia, todos os dias. Então, qualquer problema que elas tenham, tudo que elas tem que fazer é soar a campanhia e uma enfermeira estará lá em poucos minutos. Elas são provavelmente melhor cuidadas aqui do que na comunidade (Trust).

Os discursos que se referem às ações de saúde praticadas pelo profissional entrevistado mostram que é importante orientar apesar das poucas oportunidades de contato com a dupla mãe e bebê na unidade prisional. As falas ancoram-se na transmissão de conhecimentos gerais, evidenciando um papel informativo, muito embora haja atividades pensadas especificamente para a promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno.
Na opinião das entrevistadas, a adesão ao aleitamento materno na unidade prisional poderia mudar se as mulheres tivessem mais contato com o tema, sem deixar de considerar sua postura em relação à ele. Além de grupos e cursos no período pré-natal, as mulheres se beneficiariam com uma atitude encorajadora da equipe de saúde desde o inicio da gestação.

Na verdade, introduzir programas que incluíssem amamentação seria muito benéfico. Você sabe, juntar as pessoas em um grupo e educá-las (Trust).

Amamentar, contudo, está na dependência das prioridades da mãe, da forma como a amamentação cabe em sua vida, de modo uma mulher pode ser apoiada, encorajada e educada para a tomada de decisão no que tange ao aleitamento materno; ninguém pode fazê-la amamentar se ela assim não desejar. O sujeitos da pesquisa consideram que não são os únicos elementos decisivos neste processo de educar em aleitamento com vistas à promover mudanças de comportamento.

O problema não é com a equipe, o problema é com as próprias mulheres. Nós não podemos fazer uma mulher amamentar, nós podemos apenas encorajá-las, você sabe, educá-las (Hope)

Os profissionais de saúde reconhecem o significado de não agir, mas ainda assim o escolhem fazer por perceberem outras prioridades em seus trabalhos.

Eu tenho que dizer, não importa as mulheres, para nós é perdido (...) porque nós temos que ser realistas e isso não é algo que aconteceria aqui. Há outras coisas com as quais eu usaria meu tempo. Essa organização não me daria suporte para isso (promover a amamentação) porque isso é apenas uma parte de uma parte dos cuidados em saúde, que não é o negócio desta organização. Não porque eles não querem, mas simplesmente porque não é realístico fazer, levar em consideração (Dream).

Dado o cenário com tantas questões a serem resolvidas, a entrevistada sente que não teria suporte da instituição para trabalhar com aleitamento materno devido a complexidade de assuntos prioritários a que deve dirigir sua atenção.

Discussão

A literatura acerca da maternidade em populações marginalizadas, em especial a encarcerada, aparentemente vem crescendo, mas ainda pouco se sabe sobre como esta experiência se dá no dia a dia dentro das penitenciárias (9).
Considerando o aleitamento materno como parte da experiência de maternar e a escassez de publicações a este respeito na interface do contexto prisional irlandês, decidimos iniciar nossos estudos pela perspectiva do profissional de enfermagem, o que é uma força e uma limitação desta pesquisa. Conhecer o perfil de aleitamento materno do ponto de vista das enfermeiras da unidade prisional pode ser uma limitação quando se pondera que este não necessariamente representa o ponto de vista das mulheres presas. Entretanto, as perspectivas das enfermeiras é um ponto de partida importante, já que elas devem sustentar aos preceitos da amamentação para a saúde pública e oferecer suporte às mulheres que querem amamentar. Desta forma, é possível desvelar o pensamento das entrevistadas quanto a sua forma de dar valor à amamentação, marcando o processo de cuidado pelo instituir de seus valores pessoais acerca do fenômeno (10).
Os discursos analisados demonstram a situação observada pelas enfermeiras e que lhes é desafiadora do ponto de vista da prática clínica. As mulheres engravidam, cometem crimes, são aprisionadas e têm seus filhos na prisão, onde eles poderão permanecer até que completem 12 meses, favorecendo seu desenvolvimento ao lado da mãe por meio de atenção integral. Entretanto, as mulheres naquela unidade não querem amamentar seus bebês. E mesmo que compreendam os benefícios da amamentação, elas tornam pública a sua vontade contrária. Leahy-Warren (2013) (11) relata que a ausência de aprovação social para o aleitamento materno e para sua prática em público impacta na forma como as mulheres agem em relação à amamentação.
A atitude negativa dessas reeducandas em relação ao aleitamento materno pode ser percebida ainda na gestação durante conversas com o profissional de saúde, que sentem as resistências delas. Depois do parto, muitas mulheres não iniciam o aleitamento e chegam à penitenciária alimentando seus bebês com fórmulas infantis. O estudo de Larrant et al. (2012) (12) mostra que de 50% das mães irlandesas (não presas) que iniciou a amamentação na Irlanda, apenas 42,9% deixou a maternidade oferecendo leite materno para o recém nascido.
Do lado de fora dos muros da penitenciária, Tarrante et al. (2009) (13) estudou 401 mulheres irlandesas e 49 não irlandesas em uma investigação prospectiva cross-sectional para avaliar a iniciação e prevalência do aleitamento materno do nascimento aos seis meses de vida em uma amostra de mães em Dublin. Os resultados mostram que de seis semanas à seis meses 47% das mães irlandesas e 79,6% das não irlandesas iniciaram a amamentação.
O principal fator relacionado à baixa adesão do aleitamento é que as participantes da referida pesquisa consideram a prática embaraçosa, o que se torna um aspecto relevante, mas que poderia ser tratada com o incremento de campanhas de saúde pública com vistas à romper com as barreiras culturais. Para Shortt et al (2013) (14) em seu estudo qualitativo com 33 mulheres de baixa renda, assim como amamentar em público, amamentar dentro de casa também pode representar uma barreira para a mulher que vive na Irlanda.
Do ponto de vista das participantes, algumas mulheres veem a amamentação como genuinamente natural no exercício da maternagem e não enfrentam problemas durante a sua prática. Algumas entrevistadas deram o exemplo de uma mulher romena que amamentou sem dificuldades, fortalecendo a ideia de que, além de outros fatores, a amamentação é também influenciada pela cultura. Os resultados do estudo de Ludewig et al. (2014) (15) realizado na Irlanda com 11.092 mães biológicas corroboram com este achado. Com o objetivo de investigar a associação entre a cidadania, etnicidade e lugar de nascimento na interface da amamentação, os autores identificaram que a taxa de mães irlandesas que iniciam a amamentação é significantemente menor (55%) do que o de mulheres de outras etnias (74%), sustentando os discursos apresentados pelas enfermeiras da penitenciária quando relatam a diferença entre o comportamento de mães irlandesas e romenas em relação ao aleitamento.
O estudo de Castro et al. (2014) (16) também confere legitimidade aos tais achados. A investigação com 11.134 mães apresenta que 49,5% das mulheres irlandesas e 88,1% das não irlandesas iniciaram a amamentação. Interessante iluminar o achado de que as chances de amamentar das mulheres não irlandesas diminuía proporcionalmente ao período de residência no país, ou seja, quanto maior o tempo de moradia, menores as possibilidades de amamentar, reforçando a importância das diferenças culturais no prolongamento desta prática.
Segundo os dados, as mulheres presas não querem alienar-se aos cuidados do bebê, valorizando a liberdade limitada que lhes é concedida dentro da penitenciária, de maneira a aproveitar o tempo livre em seu próprio benefício e evitando reservas de suas atividades. Em consistência com o que acontece fora das prisões o embaraço social e a restrição da liberdade são aspectos que interferem na iniciação do aleitamento (12).
O nível educacional e a classe econômica foi citada como fator importante, na medida em que os sujeitos percebem que mulheres de classe econômica trabalhadora são mais educadas para o aleitamento e, portanto, mais educadas para o aleitamento materno, resultando em segurança na tomada decisão acerca da alimentação de seus filhos, como evidenciado em alguns estudos realizados com mulheres na comunidade irlandesa (11,16,18). Os resultados do estudo de Leahy-Warren et al. (2013) (11) com 175 mães irlandesas com crianças menos de três anos, demonstra que as mulheres com o 3º nível de educação, mãe de primeira viagem ou que já amamentou anteriormente, fez mais de duas consultas pré-natais e mostrava uma atitude positiva para amamentação foram independentemente associados com o aleitamento materno. Ainda, neste estudo quatro entre cinco mães iniciaram a amamentação, sendo a taxa mais elevada a de mulheres com mais anos de estudo.
Embora ainda longe das metas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (19), a Irlanda vem observado um aumento da taxa de amamentação entre 2004 e 2010, de 46,8% para 55,7%. Entretanto este aumento pode estar relacionado muito mais com o aumento da imigração de pessoas do Leste Europeu para o país, do que com políticas públicas e programas de incentivo governamental (20).
Sabe-se que mulheres sentenciadas cumprem pena em regime fechado muitas vezes acompanhadas de seus filhos, os quais são expostos às influências do ambiente e podem ter sua saúde comprometida por viverem a mesma rotina disciplinar de suas mães. O leite materno e a amamentação são protetoras contra doenças e importantes na recuperação de enfermidades comum na infância, motivos suficientes para que amamentar seja visto pelos programas de saúde como uma estratégia prioritária na diminuição das taxas de morbidade na Irlanda, dentro ou de fora dos muros das penitenciárias.

Considerações finais

Este trabalho traz importantes elementos que ilustra o baixo índice de aleitamento em ambiente prisional na Irlanda. Em anos de serviço, poucas mulheres foram vistas amamentando pelas enfermeiras entrevistadas e apenas uma criança permanecia com sua mãe intracárcere no momento da pesquisa.
Os discursos iluminam que as reeducandas saem da maternidade e chegam à penitenciária sem nunca ter amamentado seus filhos. Ainda que tenham à disposição uma Unidade Materno Infantil e equipe de saúde 24 horas por dia, o aleitamento materno permanece latente.
O cenário delineado sinaliza que a modelo de assistência, implícitas nas falas das participantes, é sustentada no modelo biomédico, iluminando a preocupação de tratar as causas de determinadas intercorrências de maneira fragmentada e à medida que as nutrizes procuram o serviço na ocasião de algum desconforto com a prática da amamentação.

Bibliografía

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