(Des)integridade em pesquisa e despublicações: ¿podem acontecer com os pesquisadores de enfermagem?

Sección: Cartas a la directora

Autores

Maria Lucia do Carmo Cruz Robazzi

Professora Titular Sênior
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2364-5787

Titulo:

(Des)integridade em pesquisa e despublicações: ¿podem acontecer com os pesquisadores de enfermagem?

Portugues

Título:

(Des)integridade em pesquisa e despublicações: ¿podem acontecer com os pesquisadores de enfermagem?

Sra. Editora, venho apresentar nessa Carta um tema que tem acontecido de forma recorrente nas publicações de diversas áreas, incluindo na área de saúde, que se refere à (des)integridade - ou falta de integridade - em pesquisas.
O objetivo desse documento é alertar sobre esse problema aos pesquisadores de enfermagem, já que, de alguma maneira, pode afetá-los, tanto pelo fato deles poderem citar estudos que posteriormente serão despublicados/removidos/extraidos, como pelo fato de realizarem alguma publicação com equívocos.
A integridade em pesquisa pressupõe a prática de boa conduta na investigação científica, almejada para toda pessoa que se diz cientista, compondo a ética profissional (1). É o campo da ética de um cientista e de como a ciência é realizada e expressa para a sociedade; campo de reflexão sobre as normas, princípios e diretrizes éticas que devem regular o desenvolvimento das pesquisas acadêmicas e científicas, incluindo todo o processo de sua construção até a sua publicação (2).
Então, percebe-se que tem acontecido situações de remoção/despublicação/extração e retratação de artigos científicos, incluindo-se na saúde, o que é preocupante.
O conceito da despublicação já vem sendo utilizado há algum tempo por alguns autores e periódicos e refere-se a um determinado texto científico que, por vontade do próprio autor ou por decisão do periódico é “despublicado” ou seja, é removido/extraido e/ou deve ser retratado e, caso excluido, passa a não compor mais a produção científica daquele determinado “journal”.
Despublicar (des+publicar) significa, literalmente, fazer deixar de estar visível, publico, o que representa a despublicação (3). Entretanto, por outro lado, os autores e os periódicos em que acontecem esse problema podem se tornar inconfiáveis.
A retratação e a despublicação muitas vezes caminham juntas e podem acontecer por variados motivos, incluindo má fé, condutas indesejáveis e/ou atitudes fraudulentas; autoria irresponsável, práticas questionáveis de citação, plágio e fatiamento de dados (quando os resultados das pesquisas são divididos e podem gerar várias produções) (4), entre outros, incluindo autores “convidados”, que não atendem as definições de coautoria, apenas com o intuito de aumentar o status percebido da publicação ou as chances do estudo ser publicado; “honorários” baseados somente em uma afiliação tênue com o estudo e “fantasmas”, que participam da pesquisa, realizam a análise de dados e/ou redação do manuscrito, porém seus nomes não são mencionados nos créditos do artigo (4-5). Podem acontecer, também erros, sem intencionalidade, às vezes, frutos do acaso e/ou por inexperiência dos próprios pesquisadores em algumas técnicas utilizadas na investigação (6).
Entretanto, como parece não haver um determinado período de tempo para ocorrer uma retratação e/ou remoção/extração, os artigos publicados podem ser citados várias vezes, o que para a área da saúde pode representar um problema condenável, incluindo possíveis aplicações equivocadas na prática assistencial.
Assim como em outras áreas do conhecimento, na área de saúde tem acontecido tais problemas, reafirmados na consulta ao site internacional dedicado à investigações dessa natureza, Retraction Watch (https://retractionwatch.com/). Algumas situações de profissionais da área da saúde identificadas pelo site que mereceram a retratação e/ou despublicação/extração de textos científicos, com algumas consequências indesejáveis ao(s) autor(es), foram: - renúncia de pesquisador ao cargo ocupado depois que a instituição universitária onde trabalhava concluiu que ele havia plagiado um colega em um artigo publicado em 2016; - remoção/extração em periódico, de outro estudo de 2016, em que foi superestimada a prevalência de burnout em médicos, diante da descoberta de um erro crítico na pontuação do Maslach Burnout Inventory (MBI) na análise realizada, resultando em erro na codificação das pontuações da pesquisa; - retratações reiteradas (19) de um pesquisador que se aposentou, depois que funcionários de sua antiga instituição confirmaram que ele cometeu má conduta em pesquisas em quase duas dúzias de artigos, todos publicados em periódicos indexados; -despublicação/extração de artigo de 2020 argumentando que a tecnologia de celulares 5G poderia levar à infecção com o novo coronavírus, além de 283 outros artigos envolvendo a Covid-19, que foram retratados ou retirado dos journals onde estavam publicados; - retratações de artigos de ex-pesquisadora, após análise e conclusões da universidade onde trabalhava, que os textos publicados não conseguiram obter aprovação ética, continham dados manipulados e resultados forjados, entre outras situações.
Consulta na web mostrou que remoções/retratações de artigos de autores da área da saúde também foram identificadas tanto no Brasil como em outros países de idioma espanhol, como: - retratação pública dos pesquisadores em 2012 de texto publicado em 2010, em periódico brasileiro, justificada pela pouca experiência de um dos autores que, à época, pleiteava entrar na pós-graduação, além de pedido de desculpas a um pesquisador citado e aos demais autores que utilizaram esse texto fora das normas de citação acadêmicas vigentes; - formal de retratação para extração de artigo publicado em periódico brasileiro, em 2020, por não seguir as diretrizes editoriais do journal, por decisão dos próprios editores; - nota de retratação e remoção de artigo publicado em periódico cubano em 2018, por decisão do comitê editorial, notificando que o texto seria reeditado e sua versão melhorada seria publicada posteriormente; - formal de retratação e extração de artigo publicado no Brasil em 2019 solicitada pelos autores, por ter o mesmo artigo sido publicado, no mesmo ano, em outro periódico de âmbito internacional; - retratação parcial de artigo brasileiro que utilizou um instrumento de pesquisa, por solicitação dos proprietários dos direitos autorais desse instrumento, não adquirido previamente pelos autores, entre outros exemplos.
Identificar equívocos em trabalhos científicos e corrigi-los quando necessário são os pilares de um sistema científico sério e que tenta a autocorreção e, de um modo ideal, os pesquisadores que publicam seus estudos com dados ou conclusões errôneas deveriam ser os primeiros a admitir seus erros e corrigi-los (7). Quando for descoberto qualquer tipo de erro em uma publicação ou relatório ou qualquer outro meio de comunicação científica é da responsabilidade do pesquisador comunicá-lo a quem de direito e demandar o procedimento cabível, seja a publicação de uma errata, seja a retratação (ou seja, solicitar a retirada do material) no meio de comunicação onde ela estiver disponível (2).
Identifica-se, então, que despublicar/remover/extrair está se tornando uma prática mais comum, advinda da pressão pelo cumprimento de prazos para publicação e de problemas no âmbito editorial, sem a identificação prévia de problemas com os textos submetidos, aprovados e publicados, como os casos de plágios e de falsificação de dados de pesquisa (8). Fraudar uma pesquisa científica da área da saúde é considerada condenável pela falta de honestidade científica e pela possibilidade de colocar a vida de pacientes em risco, caso seja aplicada à prática assistencial (6).
Recomenda-se, então, com essa carta que pertencendo à área da saúde, os pesquisadores de enfermagem atentem-se e evitem ao máximo que aconteçam tais problemas com suas publicações, tendo esmero, cuidado e ética no desenvolvimento de seus estudos, colaborando para a construção e o engrandecimento do progresso científico e o avanço do conhecimento de nossa grandiosa profissão.

Bibliografía

  1. Pinto Angelo C. Integridade científica: compromisso da SBQ. Química Nova 2015; 38(3):297. Doi: https://doi.org/10.5935/0100-4042.20150044
  2. FIOCRUZ. Guia de Integridade em Pesquisa da Fiocruz. Fundação Oswaldo Cruz [internet] Novembro 2019 [citado 15 feb 2023]; 22. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/guia_de_integridade_em_pesquisa_da_fiocruz_-_final.pdf
  3. Porto Editora. Despublicação no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [internet]. Porto: Porto Editora. [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/despublicação
  4. D’amorim KIDS. Do “publicar ou perecer” às retratações e despublicações: consequências e impactos na ciência. 2020. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) [internet]. Arrecife: Universidade Federal de Pernambuco; 2020 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/39315
  5. Bedê FS, Almeida MN, Magalhães LM, Oliveira JWS. Autores, coautores e outros personagens: os dilemas éticos da atribuição de autoria na pesquisa jurídica – ou como chegar inteiro ao final da partida. Revista Culturas Jurídicas 2019; 6(15):17-42. Doi: https://doi.org/10.22409/rcj.v6i15.846
  6. Goldim JR. Fraude em pesquisa clínica. En: Kipper DJ, Marques CC, Feijó A. Ética em pesquisa: reflexões. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2003. p.23-6.
  7. Marques F. Revista divulga lista de autores de artigos retratados por má conduta. Revista Pesquisa Fapesp [internet] 2022 [citado 15 feb 2023]; 316. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/revista-divulga-lista-de-autores-de-artigos-retratados-por-ma-conduta/
  8. De Lorenzi Pires G, Poffo BN. A avaliação da pós-graduação em educação física e suas implicações para os periódicos da área: “publicar ou perecer” vale também para os editores. Revista de Educação Física/IPA [internet] 2017 [citado 15 feb 2023]; 1(1). Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ipa/index.php/educacaofisica/article/viewFile/471/389