ENSINO REMOTO EMERGENCIAL NA ENFERMAGEM: UMA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA PANDEMIA DA COVID-19

Sección: Experiencias educativas

Cómo citar este artículo

Albernaz Crespo MC, Faria Campos J, Casimiro de Souza L, Oliveira de Moura C, Borges Vaz Branco L, Miranda da Silva M. Ensino remoto emergencial na enfermagem: uma experiência brasileira na pandemia da COVID-19. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2021; 11(2):57-64.

Autores

1 Maria da Conceição Albernaz Crespo, 1,2 Juliana Faria Campos, 1 Lucimar Casimiro de Souza 1,3 Cleson Oliveira de Moura, 4 Letícia Borges Vaz Branco, 1,5 Marcelle Miranda da Silva

1 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (Brasil).
2 Departamento de Enfermagem Fundamental. Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (Brasil).
3 Departamento de Medicina. Fundação Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho. Rondônia (Brasil).
4 Curso de Graduação em Enfermagem. Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (Brasil).
5 Departamento de Metodologia da Enfermagem. Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (Brasil).

Contacto:

Email: marcellemsufrj@gmail.com

Titulo:

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL NA ENFERMAGEM: UMA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA PANDEMIA DA COVID-19

Resumen

Objetivo: informar sobre la experiencia de la educación remota de emergencia en enfermería de pregrado en una institución privada brasileña durante la época de COVID-19.
Método: informe de la experiencia descriptiva de la experiencia docente en una universidad privada ubicada en el estado de Río de Janeiro, Brasil, entre marzo y junio de 2020. La experiencia informada tuvo lugar en dos cursos de pregrado en enfermería, que tenían su bloque teórico de enseñanza en el entorno de aprendizaje virtual.
Resultados: como positivo, hubo un mayor uso de metodologías activas y tecnologías de información y comunicación en la educación de enfermería. Como negativo, se destacó la forma en que se instituyó la enseñanza, rápida y abrupta, sin prestar atención a la necesidad de capacitación pedagógica y tecnológica y para examinar las necesidades de internet y equipos. La pérdida se señaló al desarrollo de competencias y habilidades mediante la separación de contenido teórico y práctico, y a evaluaciones cualitativas y cuantitativas.
Conclusión: es importante reflexionar sobre las habilidades digitales que los docentes deben tener para poder interpretar e internalizar la función, el papel y el lugar de estas tecnologías en la enseñanza, además de la importancia de utilizar metodologías activas. Se espera que estas experiencias mejoren con miras a la educación híbrida postpandémica.

Title:

Emergency remote nursing education: a brazilian experience during the covid-19 pandemic

Abstract:

Purpose: to report the experience of emergency remote education in undergraduate nursing at a private Brazilian institution during the COVID-19 pandemic.
Methods: A descriptive report of the teaching experience at a private university located in the state of Rio de Janeiro, Brazil, between March and June 2020. The reported experience took place in two undergraduate nursing courses, which received teaching for their theoretical section in the virtual learning environment.
Results: as a positive result, there was a greater use of active methodologies and information and communication technologies in nursing education. The main negative consequence was the fast and abrupt way to establish teaching activities, without paying attention to the need for pedagogical and technological training and to examine the needs of internet and equipment. A loss was observed regarding the development of competencies and skills by separating theoretical and practical contents, and also in qualitative and quantitative evaluations.
Conclusion: it is important to reflect reflexionar sobre on the digital skills that teachers should have in order to be able to interpret and internalize the function, role and place of these technologies in teaching, in addition to the importance of using active methodologies. It is hoped that these experiences will improve with a view to post-pandemic hybrid education.

Portugues

Título:

Enseñanza remota de emergencia en enfermería: una experiencia brasileña durante la pandemia de covid-19

Resumo:

Objetivo: relatar a experiência do ensino remoto emergencial na graduação em enfermagem de uma instituição privada brasileira em tempos da COVID-19.
Método: relato de experiência descritivo a partir da vivência docente em uma universidade privada situada no estado do Rio de Janeiro, Brasil, entre março e junho de 2020. A experiência relatada se deu em duas disciplinas da graduação em enfermagem, que tiveram seu bloco teórico ministrado no ambiente virtual de aprendizagem.
Resultados: como positivo destacou-se o maior uso das metodologias ativas e das tecnologias de informação e comunicação no ensino da enfermagem. Como negativo destacou-se a forma como o ensino foi instituído, rápida e abrupta, sem atenção à necessidade de treinamento pedagógico e tecnológico e de levantamento, por exemplo, das necessidades de internet e equipamento. Apontou-se prejuízo ao desenvolvimento de competências e habilidades pela separação dos conteúdos teóricos e práticos, e às avaliações qualitativas e quantitativas.
Conclusão: importa refletir sobre as competências digitais que docentes devem ter para que sejam capazes de interpretar e interiorizar a função, o papel e o lugar dessas tecnologias no ensino, além da importância do uso das metodologias ativas. Prospecta-se que essas experiências serão aperfeiçoadas vislumbrando o ensino híbrido pós pandemia.

Palavras-chave:

educação em enfermagem; enfermagem; educação a distância; pandemias; infecções por coronavirus

Introdução

Em março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu como estado de pandemia o surto devido à doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, denominada como Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) (1,2).
Em 11 de março de 2020, o Ministério da Saúde do Brasil expediu a Portaria nº 356, que regulamenta a Lei nº 13.979/2020, que estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19, objetivando evitar a propagação da infecção e a transmissão local (3).
Estas medidas estavam alinhadas a de governos de outros países, que adotaram ações de contenção, incluindo distanciamento social, proibição de entrada de visitantes de países com número de casos elevados da COVID-19, quarentena para os nativos que retornaram desses países, isolamento para as pessoas sintomáticas ou assintomáticas em investigação laboratorial, além do fechamento de escolas, universidades, comércios e locais de entretenimento (4,5).
Entendendo que as escolas e as instituições de ensino superior, públicas ou privadas, eram locais suscetíveis para o contágio, em 17 de março de 2020, o Ministério da Educação do Brasil divulgou a Portaria nº 343, que dispôs sobre a substituição das aulas presenciais pelo ensino remoto emergencial, de modo a autorizar o seguimento do ano letivo em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia (6). Assim, escolas e universidades precisaram remodelar o método de ensino visando minimizar os prejuízos ao ano letivo.
A remodelagem do modo de ensinar tornou-se um grande desafio para os gestores das instituições de ensino, docentes e discentes que precisaram transitar de forma brusca do ensino presencial para o ensino remoto com uso de tecnologias de comunicação digital em ambiente virtual de aprendizagem. A operacionalização do ensino remoto exigiu disponibilidade de internet e equipamento nas residências e ambiente favorável para o desenvolvimento dos estudos, que leva em consideração o convívio familiar e a rotina.
Cabe destacar que no Brasil, diferentemente da Educação a Distância (EaD), bastante difundida no sistema educacional do país, o ensino remoto é muito incipiente, assim como a própria cultura do home office em muitas instituições públicas ou privadas. A EaD trata-se de modalidade de educação mediada por tecnologias, com estrutura e método que buscam garantir o ensino com qualidade e aproveitamento satisfatório (7).
Exceto pelo uso da tecnologia como característica em comum à EaD, o ensino remoto emergencial foi uma forma de solucionar rapidamente os problemas gerados pela pandemia, sendo assim, muitas vezes desprovido de adequado planejamento e cerceado por desafios relacionados às peculiaridades dos diferentes contextos de ensino, que incluem, por exemplo, o perfil docente e discente, as limitações do escopo de cada disciplina no que se refere ao arcabouço de seus programas teóricos e/ou práticos, bem como o desenvolvimento de estratégias para superar a simples transmissão de conteúdo e para garantir a qualidade do ensino (7).
Diante desse panorama, objetivou-se relatar a experiência do ensino remoto emergencial na graduação em enfermagem de uma instituição privada brasileira em tempos da COVID-19.

Método

Relato de experiência descritivo, das atividades desenvolvidas em duas disciplinas de um curso de graduação em enfermagem de uma universidade privada, localizada no estado do Rio de Janeiro, Brasil, entre março e junho de 2020.
Uma das disciplinas –ministrada no quarto período e com 25 alunos matriculados– abrange os cuidados fundamentais de enfermagem, com aplicação dos preceitos teóricos no ensino da propedêutica do exame físico, da higiene corporal, do banho no leito e da semiotécnica de curativos e coberturas. A outra disciplina –ministrada no quinto período e com 32 alunos matriculados– abrange o ensino clínico na saúde do adulto e do idoso, com foco nos procedimentos clínicos e interativos e nos diagnósticos de enfermagem.
Ambas as disciplinas possuíam carga horária de seis horas semanais, subdivididas em atividades teóricas e práticas. Durante o desenvolvimento do ensino no ambiente virtual de aprendizagem, planejado de acordo com orientações do Ministério da Educação, foram ministrados os conteúdos do bloco teórico, no dia e horário original de cada disciplina, com atividades exclusivamente síncronas, quando o docente e o discente estavam ao mesmo tempo na sala de aula virtual. Assim, foram mantidos os três tempos de aula do bloco teórico das disciplinas, cada um com 50 minutos, ministrados em sequência, com 20 minutos de intervalo.
O ensino da carga horária teórica dessas disciplinas ocorreu a partir de aulas expositivas e dialogadas com utilização de metodologias ativas para buscar favorecer o protagonismo do discente em seu processo de ensino-aprendizagem. As atividades práticas em hospitais e clínicas especializadas foram planejadas para acontecer apenas no retorno presencial, pois no âmbito da formação do enfermeiro não podem ser administradas remotamente, respeitando o principal lócus de vivência profissional e desenvolvimento de competências e habilidades. Cabe salientar que o ensino à distância na área da saúde no Brasil em sua totalidade não é autorizado.
A plataforma virtual utilizada para ministrar as atividades na universidade foi a Microsoft Teams. A universidade investiu na licença para uso desta plataforma, que pode ser acessada de forma online a partir de smartphones, tablets, notebooks, computadores ou por meio de download do aplicativo para um desses aparelhos com uso da internet.
A tomada de decisão para realização das aulas remotas de caráter emergencial partiu da Gestão Nacional do Curso de Enfermagem em conjunto com o Núcleo Regulatório Nacional da universidade, que é caracterizado como o setor responsável por orientar, direcionar e zelar pela realização de ações deliberadas pelo Ministério da Educação.
Ao decidir, portanto, pela implantação do ensino remoto emergencial, o coordenador pedagógico comunicou aos docentes a nova estratégia que utilizaria para continuidade das aulas. Todas as atividades foram realizadas por meio do home office. Contudo, a instituição não ofereceu subsídio para o fornecimento de internet aos docentes.
Diante da necessidade do uso da plataforma virtual, uma rápida capacitação dos docentes foi realizada, focando a questão tecnológica e não pedagógica. Esta capacitação foi coordenada pelos profissionais de tecnologia da informação da universidade. Aos discentes foram disponibilizadas cartilhas explicativas e mensagem por correio eletrônico dos coordenadores de curso divulgando a nova modalidade de ensino.

Descrição da experiência

No curso de enfermagem, de forma geral, 98% dos alunos aderiram ao ambiente virtual de aprendizagem, com recursos tecnológicos, como internet e equipamento, mesmo que apenas smartphones e com limitação de dados nos planos de internet. Destaca-se que a adesão ao ensino remoto por parte dos discentes foi obrigatória, facultada apenas pela decisão de trancamento ou abandono do curso, a depender de cada situação, condição financeira diante da crise econômica causada pela pandemia, e da infraestrutura em seu domicílio, que ficou totalmente sob sua responsabilidade.
A falta de treinamento para o uso da Microsoft Teams aos discentes gerou dificuldades de interatividade e navegabilidade no início das aulas. Este problema teve que ser gerenciado pela docente, que dedicou tempo inicial da primeira aula para orientação aos discentes, de modo a facilitar a aprendizagem e o engajamento a partir do aproveitamento da ferramenta e do relacionamento com os conteúdos ali compartilhados.
Antevendo dificuldades de acesso à internet e disponibilidade de equipamento, e buscando compreender os desafios gerados pela pandemia, principalmente por parte dos discentes, a gestão da universidade flexibilizou a regra da frequência mínima de 75% para aprovação discente e estabeleceu parceria com empresa de telefonia e internet, que passou a disponibilizar desconto na contratação de planos de internet para discentes matriculados na universidade.
Não foram consideradas as faltas, desde que justificados os motivos. As aulas foram gravadas e seus conteúdos disponibilizados aos discentes que poderiam acessar a plataforma em outro momento, de acordo com as disponibilidades. Dos 57 discentes matriculados nas duas disciplinas, apenas dois não conseguiram participar das aulas em tempo real, alegando razões pessoais relacionadas às mudanças na dinâmica laboral. E ao longo do período das aulas e continuidade da pandemia, outros discentes passaram a apresentar dificuldades. Foi observada taxa de evasão nas disciplinas de 16%.
Destaca-se que a taxa de adesão ao ambiente virtual de aprendizagem pôde ser verificada a partir dos relatórios diários gerados na Microsoft Teams, que sinalizavam o horário de acesso e saída da sala virtual pelo discente, divulgados pelo departamento da gestão responsável pelas metas institucionais.
Além da presença registrada na plataforma, a docente observava a interação de cada discente nas aulas, como medida de avaliação qualitativa, e buscava abrir oportunidades de fala no início da aula para identificar potenciais dificuldades, como as de acesso à internet. Foram frequentes os relatos sobre a necessidade de aumentar a velocidade da internet e alterar planos de contração do serviço, o que aumentou os custos, além de dificuldades relacionadas ao convívio familiar, à rotina em casa, necessário compartilhamento de equipamento com familiares, cansaço em acompanhar aulas com uso do smartphone, e dificuldades para navegabilidade no ambiente virtual de aprendizagem.
Àqueles ausentes nas aulas síncronas era feito contato privado pela docente utilizando a ferramenta do WhatsApp. Nessas abordagens foram observadas, principalmente, dificuldades em participar das aulas por demandas de trabalho. Muitos discentes eram técnicos de enfermagem – que no Brasil compreende a categoria profissional de nível técnico que compõe a equipe de enfermagem, coordenada pelo enfermeiro – e estavam atuando no enfrentamento da pandemia em hospitais, sofrendo sobrecarga física e psicológica.
Ainda que o discente não participasse ativamente das aulas, cabia à docente fazer o diagnóstico situacional de cada particularidade estudantil, e gerar relatório descrevendo o motivo do discente não conseguir acesso à plataforma. Para evitar evasão, os problemas deveriam ser prontamente notificados à gestão da universidade.
Na avaliação quantitativa manteve-se a estruturação de provas da universidade de acordo com as orientações da diretoria acadêmica, com três avaliações, sendo uma opcional ao melhoramento da média 6,0 ou àqueles que não alcançaram essa média nas duas avaliações iniciais. A Microsoft Teams foi utilizada para aplicação das provas; cada aluno tinha até 24 horas para devolução das respostas.
A docente teve autonomia para selecionar as questões discursivas da primeira avaliação (AV1). Na segunda avaliação (AV2) a universidade orientou a seleção de questões de um banco, alimentado pelos próprios docentes. Como exemplo de uma das disciplinas, a média na AV1 foi de 65% de aproveitamento, enquanto na AV2 foi de 85%. Apenas uma discente, que era técnica de enfermagem e com dificuldade de participação nas aulas síncronas, obteve aproveitamento inferior a 60% nas duas avaliações iniciais, logrando aprovação após realização da AV3.
No ambiente virtual, as estratégias utilizadas para as disciplinas seguiram as orientações da coordenação do curso no que tange à dinamicidade das aulas e utilização de metodologias ativas, como: seminários para discussão de temas variados, vídeos interativos e educativos, flipped classroom – sala de aula invertida, quis, e Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Para ambas as disciplinas foram realizados ajustes de conteúdo inserindo temas pertinentes à pandemia pela COVID-19, e utilizou-se casos clínicos diversos.
Os discentes foram estimulados a participar do curso virtual denominado “COVID-19: manejo da infecção causada pelo novo coronavírus”, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Além deste curso ter auxiliado na capacitação profissional do discente, possibilitou lograr um certificado para conversão da carga horária para atividade acadêmica complementar, que consiste em um grupo de atividades obrigatórias caracterizadas, por exemplo, pela participação em eventos científicos que envolvam ensino, pesquisa e extensão.

Discussão

O ensino por meio do ambiente virtual de aprendizagem possibilitou a continuidade das atividades no período de distanciamento social, consolidando o compromisso da universidade no ensino dentro do plano pedagógico do curso, como uma solução rápida, razoável e exequível para a instituição frente à situação da pandemia.
Entretanto, a escolha pelo caminho mais simples não avaliou se as condições eram realmente favoráveis no que se refere ao acesso de todos aos recursos online, e à condição de saúde e de competências digitais para realização das atividades de forma remota. A universidade assumiu que cumprir o plano pedagógico consistia em transmitir o conteúdo (9).
Salienta-se que o mercado educacional possa ter influenciado essa rápida mudança e ajuste ao ensino remoto, diante da necessidade de justificar e manter os pagamentos das mensalidades, e reduzir a taxa de evasão do curso.
Embora a universidade possa ter alinhado algumas estratégias para adaptação dos discentes, como a flexibilização da contagem da frequência e o acordo com empresa de internet para concessão de desconto, considera-se que o plano não foi adequadamente estruturado devido ao pouco tempo, pois não houve alteração no calendário acadêmico, atravessando importantes etapas de diagnóstico situacional e de capacitação pedagógica e tecnológica.
A necessidade da mudança súbita das estratégias pedagógicas e incorporação de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) suscita uma reflexão sobre as competências digitais que docentes devem ter para que sejam capazes de interpretar e interiorizar a função, o papel e o lugar dessas tecnologias no ensino (8). Entretanto, o desdobramento do relato de experiência fortalece a concepção de que compete às instâncias deliberativas das instituições de ensino superior decisões que subsidiarão os docentes no delineamento de estratégias na condução de suas disciplinas (9).
Entende-se que para aquisição das competências digitais é necessário um processo de formação docente a fim de uma apropriação real do potencial pedagógico das TIC disponíveis, para mobilizar capacidades, conhecimentos, saberes e atitudes em situações de ensino e aprendizagem, em que o uso das TIC pode servir de instrumento cultural de aprendizagem (8).
Experiências prévias e estudos sobre a educação a distância puderam enriquecer as estratégias do ensino remoto. Porém, ao se comparar, por exemplo, as medidas emergenciais com o modo de funcionamento próprio da EaD, não há como garantir resultados com qualidade e atendimento aos princípios de liberdade e flexibilidade (9).
Acredita-se que a utilização efetiva das tecnologias digitais nas atividades educativas é uma decisão individual de cada docente, mas as consequências da pandemia pela COVID-19 transformaram essa tomada de decisão em coletiva, imperiosa e imediata, especialmente, nas instituições privadas.
A situação de crise sanitária no Brasil e no mundo trouxe para muitas realidades, além do ensino, a pontencialidade do ambiente virtual criado pelo uso da internet, quando se fala sobre “um novo normal” pós-pandemia.
No contexto do ensino, é preciso entendimento de que estamos inseridos numa cultura digital que demanda dos docentes novos saberes, práticas, costumes e valores, ou seja, novas formas de conceber, produzir e utilizar os conhecimentos, cujo papel das tecnologias digitais é promover diferentes oportunidades para a participação dos mais diversos sujeitos do processo pedagógico, sejam eles docentes, discentes, gestores, profissionais envolvidos com a educação e outros membros da comunidade educativa, como agentes ativos dessa mesma cultura digital (8).
Nessa perspectiva, é crucial a interpretação do docente sobre as concepções de currículo que lhes são impostas, e ainda, a compreensão e conhecimentos efetivos que ele tem sobre o potencial pedagógico das tecnologias disponíveis. Atribuir ao discente um papel ativo implicará planejar e organizar as atividades cuja função das tecnologias digitais vai além da transmissão do conteúdo, proporcionando oportunidades de questionamento, reflexão, decisão, e conhecimento significativo (10).
É importante ainda que o docente esteja ciente de que um movimento de apropriação crítico dessas tecnologias para o seu uso pedagógico não é do dia para a noite, mas lento, gradativo e complexo (10). A natureza multifacetada da incorporação dessas tecnologias no ensino é um desafio, que no avanço da pandemia pela COVID-19, além de ter exposto ainda mais as diferenças sociais no Brasil, no que se refere, por exemplo, ao acesso à internet, exigiu a prática sem considerar a sua incorporação no decurso de forma natural e espontânea.
No processo de formar docentes para ensinar em um mundo digital parece possível afirmar que o foco do trabalho deve estar nos docentes e não nas tecnologias ou recursos. A dimensão coletiva deste complexo processo pode ser um determinante de motivação aos olhos dos docentes formadores que, entre muitos dilemas, sofrem com suas limitações prévias características da geração de “imigrantes digitais”. Por fim, resta afirmar que todo este trabalho intelectual não se faz na solidão dos esforços individuais (8).
No que pese o uso das tecnologias digitais para o ensino de graduação em enfermagem, faz-se necessária a reflexão sobre os prejuízos advindos da separação do conteúdo teórico do prático, uma vez que esse alinhamento é extremamente necessário para o desenvolvimento das competências e habilidades do enfermeiro. Formar profissionais enfermeiros demanda integração ensino-serviço-comunidade e trabalho interprofissional (7).
A perspectiva da avaliação por competências em cursos de graduação e pós-graduação na enfermagem vem sendo discutida, planejada e implementada em matrizes curriculares, que contemplam a formação baseada no desenvolvimento de competências específicas e transversais, como: cuidado em saúde, gerenciamento do cuidado, desenvolvimento profissional e comunicação terapêutica. Tais competências são essencialmente desenvolvidas no contexto da prática clínica (11,12).
Dentre os aspectos positivos da experiência do ensino remoto emergencial na enfermagem destacou-se a maior utilização de diferentes modelos pedagógicos, favorecendo o desenvolvimento dos discentes em coletividade. Em contrapartida, as limitações aparecem, além da capacitação dos docentes, no entendimento do discente, que tem uma tendência ao modelo tradicional de ensino (12).
Mediante as novas tendências pedagógicas, a metodologia ativa permite o empoderamento do discente colocando-o como protagonista central, sendo corresponsável pela sua trajetória educacional, e o docente sendo o facilitador das experiências relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem (13). Porém, vale destacar alguns pontos que remotamente os docentes não conseguem ter controle e que podem impactar negativamente na efetividade do método, como: familiaridade com a plataforma de acesso às aulas; garantia de que o discente está efetivamente presente, diante das câmeras e microfones desligados; e a inibição frente a câmera e microfone.
Destaca-se que a presença de uma segunda pessoa do corpo docente ou administrativo e de apoio técnico na sala de aula virtual poderia facilitar a avaliação qualitativa, além de auxiliar na coordenação do canal de comunicação via chat. Como isso não aconteceu, houve uma sobrecarga da docente, que além de ministrar a aula, precisava estar atenta a todos esses aspectos, que envolvem estabelecimento de vínculos para estimular a participação dos discentes.
Apesar das dificuldades, entendemos que os esforços empreendidos para atender às exigências do ensino remoto emergencial frente à pandemia da COVID-19 poderão trazer benefícios na maior incorporação das metodologias ativas no ensino da enfermagem, essenciais para fomentar a reflexividade e criticidade no processo de formação do enfermeiro (14).

Conclusão

Dos pontos positivos destacaram-se o maior uso das metodologias ativas e das TIC, mas evidenciou-se a importância da reflexão sobre as competências digitais que docentes devem ter para que sejam capazes de interpretar e interiorizar a função, o papel e o lugar dessas tecnologias no ensino.
Destacou-se negativamente a forma como o ensino foi instituído, ou seja, rápida e abrupta, sem que houvesse atenção à necessidade de treinamento pedagógico aos docentes, de treinamento tecnológico aos discentes, e de levantamento das necessidades, como internet e equipamento. Além do risco de exclusão de discentes por motivos diversos; dificuldades na avaliação qualitativa e na confirmação da presença do discente, sem garantia que os que ali estavam conectados realmente estavam presentes e envolvidos com as atividades.
A avaliação quantitativa foi protocolar, seguindo normatização da universidade, sem garantia da verificação do desenvolvimento das competências e habilidades na formação do enfermeiro.
Como limitação deste relato, destaca-se que a medida de implementação do ensino remoto emergencial ainda não pôde ser devidamente avaliada. Contudo, considera-se que a não realização de algumas etapas que seriam necessárias à adaptação do ensino presencial para o remoto poderá impactar negativamente na satisfação e no alcance da qualidade da formação profissional, que deve ser mediada pela genuína preocupação com o ensinar.

Financiamento

Nenhum.

Conflito de interesses

Nenhum.

Bibliografía

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