IDENTIFICAÇÃO DO TEMA SEGURANÇA DO PACIENTE NO CURRÍCULO DE UM CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

Sección: Originales

Cómo citar este artículo

Massaroli A, Percisi AR, Massaroli R, Martini JG, Pitilin EB, Conceiçao VM. Identificação do tema segurança do paciente no currículo de um curso de graduação em enfermagen. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2021; 11(4):7-16.

Autores

1 Aline Massaroli, 2 Andressa Reginatto Percisi, 3 Rodrigo Massaroli, 4 Jussara Gue Martini, 5 Érica de Brito Pitilin, 6 Vander Monteiro da Conceição

1 Enfermeira. Doutora em enfermagem. Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Campus Chapecó, Brasil.
2 Enfermeira. Universidade Federal da Fronteira Sul. Campus Chapecó, Brasil.
3 Enfermeiro. Doutor em enfermagem. Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Itajaí, Brasil.
4 Enfermeira. Doutora em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, Brasil.
5 Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Campus Chapecó, Brasil.
6 Enfermeiro. Doutor em Ciências. Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Campus Chapecó, Brasil.

Contacto:

Email: aline.massaroli@uffs.edu.br

Titulo:

IDENTIFICAÇÃO DO TEMA SEGURANÇA DO PACIENTE NO CURRÍCULO DE UM CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

Resumen

Objetivo: identificar cómo se desarrolla el tema de seguridad del paciente en el plan de estudios de un programa de pregrado de la carrera de enfermería, así como los procesos metodológicos utilizados.
Metodología: se trata de una investigación documental desarrollada en una universidad pública del sur de Brasil, donde se investigaron individualmente palabras clave directas e indirectas, pertenecientes al contexto de la seguridad del paciente, presentes en los planes de enseñanza de las disciplinas de la carrera de licenciatura en enfermería. La recolección de datos se llevó a cabo en el primer semestre de 2019. Los datos se analizaron mediante el software estadístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versión 20.0. Se utilizó la prueba de Chi cuadrado de Pearson para probar la asociación.
Resultados: de las 47 disciplinas que componen el curso se encontraron palabras clave en 14, siendo la palabra clave directa más evidente la seguridad del paciente (40%) y la palabra clave indirecta, sistematización del cuidado de enfermería (29%). En cuanto a las estrategias metodológicas mencionadas se destacaron las clases basadas en el diálogo (24%).
Conclusiones: se encontró que el tema está presente en pocas disciplinas de la carrera de licenciatura en enfermería, y que los procesos metodológicos utilizados son metodologías de enseñanza tradicionales. Por ello, se vuelve imprescindible repensar su inserción en los currículos del área de la salud, así como en estrategias de enseñanza que favorezcan la formación de profesionales críticos y reflexivos con competencias para actuar ante las demandas de seguridad del paciente.

Palabras clave:

currículum ; enfermería ; educación superior ; capacitación profesional ; seguridad del paciente

Title:

Identifiying the patient safety subject in the curriculum of a nursing graduate course

Abstract:

Objective: to identify the situation of the Patient Safey subject within the curriculum of a Nursing Degree undergraduate program, as well as the methodological processes used.
Methodology: a documentary research conducted in a Public University from South Brazil, with individual search for direct and indirect key words, associated with the patient safety context, present in the teaching curriculum of subjects within the Nursing Degree. Data collection was conducted during the first semester of 2019. Data were analyzed with the SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) statistical software, version 20.0. Pearson’s chi square test was used to prove the association.
Results: key words were found in 14 of the 47 subjects of the course; the most evident direct keyword was Patient Safety (40%), while the indirect key word was Nursing Care Systematization (29%). Regarding the methodological strategies mentioned, Dialog-based Learning stood out (24%).
Conclusions: it was found that this matter is present in few subjects within the Nursing Degree, and that the methodological processes used are traditional teaching methodologies. Therefore, it is essential to reconsider its insertion within the health area curriculums, as well as using teaching strategies which contribute to the training of critical and discerning professionals with the skills to act when faced with patient safety demands.

Keywords:

curriculum; nursing; higher education; professional training; patient safety

Portugues

Título:

Identificación del tema de seguridad del paciente en el currículo de un curso de graduación en enfermería

Resumo:

Objetivo: identificar como o tema segurança do paciente é desenvolvido no currículo de um curso de graduação em enfermagem, bem como os processos metodológicos utilizados.
Metodologia: trata-se de uma pesquisa documental desenvolvida em uma universidade pública do Sul do Brasil, onde foram pesquisadas individualmente palavras-chave diretas e indiretas, pertencentes ao contexto da segurança do paciente, nos planos de ensino das disciplinas do curso de graduação em enfermagem. A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2019. Os dados foram analisados no software estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20.0. Para testar a associação foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson.
Resultados: das 47 disciplinas que constituem o curso, foram encontradas palavras-chave em 14, sendo a palavra-chave direta mais evidenciada segurança do paciente (40%) e a palavra-chave indireta, sistematização da assistência de enfermagem (29%). Sobre as estratégias metodológicas citadas, destacaram-se as aulas expositivas-dialogadas (24%).
Conclusões: verificou-se que o tema está presente em poucas disciplinas do curso de graduação em enfermagem, e que os processos metodológicos utilizados são as metodologias tradicionais de ensino. Por isso, é indispensável repensar a inserção do assunto nos currículos da área da saúde, bem como, em estratégias de ensino que favoreçam a formação de profissionais críticos e reflexivos com competências para atuar frente as demandas para a segurança dos pacientes.

Palavras-chave:

currículo; enfermagem; ensino superior; formação profissional; segurança do paciente

Introdução

O conhecimento acerca do número de incidentes e eventos adversos que acontecem nos serviços de saúde, foi um elemento propulsor para que a segurança do paciente entrasse em evidência na área da saúde. Conceituada como a redução a um mínimo aceitável do risco de danos desnecessários ao paciente, tornou-se um dos principais atributos relacionados a qualidade da assistência (1).

A partir disso, este tema passou a ser o foco de debates e esforços de gestores e profissionais dos diversos setores ligados à área da saúde, estendendo-se inclusive para as instituições de ensino. Considerando que a segurança do paciente é constituída por princípios e premissas que são comuns e imprescindíveis a todos os ambientes de assistência à saúde, destaca-se que este tema deve estar presente em todos os cursos de graduação da área da saúde, bem como, permear as disciplinas que compõem o currículo de cada curso, ou minimamente, a maioria delas (2,3).

Para auxiliar as instituições de ensino no desenvolvimento de currículos que englobem o tema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um guia curricular intitulado “Patient safety curriculum guide: multi-professional edition”, que tem como objetivo colaborar com a implantação de conteúdos e de metodologias de ensino voltadas para a segurança do paciente, (4).

Ao encontro dos movimentos mundiais para a segurança do paciente, o Ministério da Saúde (MS) do Brasil instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) e um de seus objetivos específicos é “fomentar a inclusão do tema Segurança do Paciente no ensino técnico, de graduação e de pós-graduação na área da saúde” (5).

Os cursos da área da saúde possuem uma função fundamental, para a perspectiva de ampliar o olhar para processos de trabalhos seguros, pois permitem através da integração ensino e serviço, a busca pela melhoria dos processos de trabalho, o que resultará em melhoria na qualidade da assistência e na promoção da segurança do paciente. É durante a formação acadêmica que se desenvolvem competências e, essas são aperfeiçoadas no dia a dia de trabalho dos profissionais da equipe de saúde (3).

Percebe-se que o tema segurança do paciente ainda não é amplamente debatido durante a formação de profissionais da área da saúde, necessitando ser mais problematizado, a fim de promover a instrumentalização dos professores e de estudantes que são os futuros profissionais, para atuarem com responsabilidade na prevenção de incidentes e de eventos adversos, direcionando-os à cultura de segurança do paciente (6-8).

Assim, evidencia-se a necessidade de conhecer como o tema segurança do paciente está inserido nos currículos dos cursos de graduação da área da saúde, bem como, quais são as estratégias metodológicas utilizadas no desenvolvimento deste assunto, com o intuito de verificar fragilidades e potencialidades neste processo de formação profissional e assim, propor estratégias que contribuam para o desenvolvimento e fortalecimento da cultura de segurança do paciente desde o início da formação dos novos profissionais de saúde.

O objetivo deste estudo foi identificar como o tema segurança do paciente é desenvolvido no currículo de um curso de graduação em enfermagem, bem como os processos metodológicos utilizados.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa documental, desenvolvida em um curso de graduação em enfermagem de uma instituição pública de ensino superior, localizada na região Sul do Brasil. O curso possui dez anos de implantação e tem como objetivo formar enfermeiros generalistas com capacidade crítica, reflexiva e criativa, habilitados para atuar nas dimensões do cuidar, gerenciar, educar e pesquisar, contribuindo para a efetivação dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.

A matriz curricular é organizada em 10 semestres letivos de turno integral, com carga horária total de 4.395 horas e engloba um conjunto de componentes curriculares organizados em três eixos: domínio comum, conexo e específico. O primeiro caracteriza os componentes que são comuns a todos os cursos da instituição. O domínio conexo representa componentes comuns a determinadas áreas do conhecimento, no que se refere a enfermagem, a conexão acontece com os demais cursos da área da saúde. O domínio específico refere-se aos conhecimentos voltados à área específica do futuro profissional, neste caso, da enfermagem.

O curso de graduação em enfermagem pesquisado atualmente está na primeira matriz curricular, em vigor desde a sua criação.

Os documentos analisados foram os planos de ensino das 47 disciplinas, que constam na matriz curricular do curso de graduação em enfermagem, vigentes no segundo semestre de 2018 e primeiro semestre de 2019. Como critérios de inclusão foram planos de ensino aprovados pelo colegiado de curso e planos vigentes no segundo semestre de 2018 e primeiro semestre de 2019. Como critérios de inclusão, planos de ensino incompletos, ressalta-se que nenhum plano de ensino foi excluído. Do total de disciplinas, 11 pertencem ao domínio comum, 13 ao domínio conexo e 22 ao domínio específico. Os planos de ensino foram disponibilizados para a equipe de pesquisa pela coordenação do curso.

A coleta de dados ocorreu nas dependências da universidade pesquisada durante o primeiro semestre de 2019. As informações foram coletadas pelos pesquisadores e se deu por meio de palavras-chave que foram pesquisadas nos documentos, sendo divididas em dois grupos: diretas e indiretas, conforme um estudo prévio que fez uma análise semelhante (2). A pesquisa das palavras-chave relacionadas ao contexto da segurança do paciente, permite identificar como este tema apresenta-se no processo de formação dos novos profissionais de saúde. Para a coleta dos dados nestes documentos foi elaborado um instrumento que favoreceu a coleta das informações, bem como, sua organização.

As palavras-chave diretas foram: segurança do paciente; segurança nos serviços de saúde; segurança nos processos; segurança dos profissionais da saúde; qualidade da assistência de enfermagem; avaliação dos serviços de saúde; ferramentas de mensuração de qualidade; indicadores de qualidade; gerenciamento/gestão de risco; evento sentinela/adverso; ocorrências de iatrogenias/iatrogênicas; direito dos usuários do serviço de saúde; código do consumidor; código de ética e lei do exercício profissional.

Em relação às palavras-chave indiretas foram: indicadores de saúde; biossegurança; vigilância epidemiológica; sistematização da assistência de enfermagem; dosagem ou cálculo de medicação; teorias de enfermagem; relações interpessoais; suporte básico de vida no aspecto de avaliação de cena, situação e segurança do local de agravo; instrumentos básicos de enfermagem; regulamentos e normas hospitalares; resolução de diretoria colegiada e norma reguladora – 32; medidas de segurança no centro cirúrgico e controle de infecção no centro cirúrgico.

Ainda foram verificadas as estratégias metodológicas utilizadas nas disciplinas em que foram identificadas as palavras-chave relacionadas à segurança do paciente.

Para a análise do material coletado, dois revisores independentes leram criticamente os planos de ensino e identificaram as informações e, em caso de dúvida ou discordância, um terceiro revisor foi solicitado a emitir parecer sobre a inclusão ou não do estudo.

Os dados coletados foram tabulados e avaliados por duplas para correção de eventuais erros de digitação e em seguida analisados no software estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20.0. O cálculo estatístico realizado para testar a associação foi o Qui-quadrado de Pearson. Para os testes estatísticos inferenciais foi utilizado nível de significância p < 0,05.

Os aspectos éticos foram atendidos conforme a legislação brasileira, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, CAAE 02894618.4.0000.5564.

Resultados

Todas as disciplinas que constituem o curso foram analisadas, não havendo perca de dados, assim, verificou-se que das 47 disciplinas, 33 (70%) não apresentaram qualquer palavra-chave direta ou indireta que abordasse conteúdos sobre a segurança do paciente nos planos de ensino, ou seja, apenas 14 (30%) disciplinas apresentaram alguma palavra-chave que representava conteúdos relacionados com a segurança do paciente.

Observa-se que, das 14 (30%) disciplinas que apresentaram palavras-chave, 13 (27%%) pertenciam ao domínio específico, 1 (3%) pertencia ao domínio comum e nenhuma (0%) pertencia ao domínio conexo.

Das disciplinas que apresentaram palavras-chaves sobre a segurança do paciente nos planos de ensino, evidenciou-se que o quarto semestre do curso concentrou o maior número de termos (24%). O décimo semestre foi o único em que não se constatou qualquer termo (0%), sendo que os demais semestres mantiveram distribuição semelhante, com variação de 4% a 16% de palavras-chaves descritas nos planos de ensino. Não foi encontrado qualquer disciplina formal sobre a segurança do paciente.

Na Tabela 1 são apresentadas as palavras-chave diretas e indiretas encontradas nos conteúdos programáticos das disciplinas analisadas. Quanto as palavras-chave diretas, o total de palavras evidenciadas foi de 11 (N= 11) e quanto as indiretas o total foi de 17 (N= 17).
No entanto as palavras chave diretas: segurança nos serviços de saúde, segurança nos processos, segurança dos profissionais de saúde, avaliação de serviços de saúde, ferramentas de mensuração da qualidade, ocorrências de iatrogenias/iatrogênicas, código do consumidor; e as palavras chave indiretas: suporte básico de vida no aspecto de avaliação da cena, situação e segurança do local de agravo, regulamentos e normas hospitalares, Resolução de Diretoria Colegiada e Norma Reguladora-32 e medidas de segurança no centro cirúrgico, não apareceram nos planos de ensino que compõem o currículo do curso.

Na Tabela 2, são apresentados os processos metodológicos citados nos planos de ensino que continham palavras-chave direta ou indireta.

Além da identificação das palavras chaves nos conteúdos programáticos das disciplinas, evidenciou-se a presença de palavras chaves em 29 referências bibliográficas das disciplinas do curso, alternadas entre os anos de 1993 a 2015, sendo que a maioria das referências tem data posterior aos anos 2000.

A maioria das referências bibliográficas são livros (62%). O restante abrange referenciais brasileiros, do Ministério da Saúde (21%), do conselho federal de enfermagem (10%) e do conselho regional de enfermagem (7%).

Na Tabela 3 estão apresentadas as palavras-chave encontradas nas referências bibliográficas das disciplinas presentes nos planos de ensino. Referente as palavras-chave direta encontrou-se um total de 4 referências bibliográficas (N= 4), e quanto as palavras-chave indiretas 26 (N= 26).

Com relação as palavras-chave diretas: segurança do paciente, segurança nos serviços de saúde, segurança nos processos, segurança dos profissionais de saúde, avaliação dos serviços de saúde, ferramentas de mensuração de qualidade, indicadores de qualidade, gerenciamento/gestão de risco, evento sentinela/adverso, ocorrências de iatrogenias/iatrogênicas, código do consumidor e as palavras-chave indiretas: indicadores de saúde, vigilância epidemiológica, suporte básico de vida no aspecto de avaliação da cena, situação e segurança do local de agravo, medidas de segurança no centro cirúrgico, não houve registro destas nas referências dos planos de ensino.

Na Tabela 4 é apresentada a distribuição das palavras-chave diretas e indiretas encontradas nos planos de ensino segundo os tipos de domínio. Destaca-se que o domínio conexo foi excluído da análise por não apresentar tais palavras. Não houve diferença estatística significativa entre os grupos analisados.

Discussão

Apesar de um pequeno percentual de disciplinas apresentar palavras-chaves em seus planos de ensino, verificou-se que a distribuição destas perpassou pela maioria dos semestres do curso. Considerando que os princípios e premissas da segurança do paciente aplicam-se a todos os ambientes de cuidado à saúde, atenção primária, secundária ou terciária, de baixa, média ou alta complexidade, ressalta-se que as palavras-chave deveriam estar presentes em todas as disciplinas ou, no mínimo, na maioria delas (3,5).

Foi possível identificar que dos 14 planos de ensino que apresentaram palavras-chaves, apenas um pertencia ao domínio comum, o que corresponde a 7% destas, ressaltando que na matriz curricular este domínio é formado por 11 disciplinas, evidenciando que há uma mínima inserção do tema neste domínio. Quanto às disciplinas que integram o domínio conexo, nenhum dos planos de ensino apresentaram palavras-chaves relacionadas, o que evidência fragilidade na construção das competências para a segurança do paciente, tendo em vista que estas disciplinas constituem a base dos conhecimentos que são inerentes a todos os profissionais de saúde.

Percebe-se que esse aspecto desfavorece a construção da cultura de segurança desde o início da formação, considerando que estas disciplinas concentram-se nos primeiros semestres do curso. A cultura de segurança do paciente é definida como o resultado de valores, atitudes, percepções, competências e comportamentos que determinam um modelo de comprometimento com a segurança do paciente, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas (9).

Para que o estudante consiga desenvolver a cultura de segurança do paciente, esta deve ser incorporada desde o início da sua formação acadêmica, pois contribui para que o estudante reconheça e aprenda com suas falhas, construindo as competências necessárias para identificar e manejar a ocorrência de um erro (3).

O domínio específico foi o que apresentou a maioria das disciplinas com o registro de palavras-chaves, totalizando 27% destas, o que ainda pode ser considerado pouco, uma vez que as disciplinas específicas da profissão deveriam trabalhar os temas relacionados à segurança do paciente de modo transversal. Com isso, pode-se inferir que a segurança do paciente é trabalhada durante o processo de formação de profissionais enfermeiros do curso investigado, contudo, poucas disciplinas abordam a temática, o que evidencia fragilidades no processo de formação profissional.

Considera-se necessário que os estudantes vivenciem os temas relacionados com a segurança do paciente de modo contínuo durante todas as fases do processo de formação profissional, para que estejam aptos a desenvolver uma assistência eficiente e segura aos pacientes (10).

Conforme a Tabela 2, segurança do paciente foi a palavra-chave direta mais citada nos planos de ensino. O fomento a inclusão do tema segurança do paciente nos cursos de graduação da área da saúde tem sido impulsionado pela OMS e, no Brasil pelo PNSP (4,5). Entretanto, percebe-se que a temática ainda é pouco discutida durante a formação de profissionais da área da saúde, o que corrobora com profissionais pouco preparados para trabalhar com o assunto quando passam a atuar nos serviços de saúde (10).

A sistematização da assistência de enfermagem (SAE) foi a palavra-chave indireta mais citada. Considerada como uma metodologia de trabalho que tem o objetivo de fundamentar a prática assistencial baseada em evidências, o uso da SAE tem sido crescente junto aos serviços de saúde e vem atrelada ao Processo de Enfermagem (PE), que tem como intuito oferecer uma estrutura em que as necessidades do paciente possam ser atendidas de modo integral e individualizado, contribuindo assim, para a segurança do paciente (11).

O PE é o principal colaborador para organizar e sistematizar a assistência aos pacientes. Ao ser implementado, um plano de cuidados é formulado e esta organização favorece a segurança dos pacientes, pois o profissional passa a conhecer e analisar a história clínica, as patologias e fragilidades, com um olhar diferenciado, identificando os riscos a que estão expostos durante a assistência e necessidades individuais, que contribuem, para o fortalecimento das ações para a segurança do paciente (12).

Uma pesquisa investigou como os estudantes do curso de graduação em Enfermagem percebem a relação entre a SAE e a Segurança do Paciente e destacou a relevância da aplicabilidade da sistematização como forma de conhecer os riscos que os pacientes estão expostos e, a partir deste conhecimento, implementar as ações necessárias para a segurança do paciente. Além disso, destacou que, para iniciar o processo de sistematização, deve-se realizar a identificação correta do paciente e sempre estimulá-lo a envolver-se com a sua segurança (12).

Sobre os estudantes não possuírem disciplina formal sobre a segurança do paciente, estudos que analisaram a percepção dos alunos sobre o tema, apontam que é possível, mesmo sem disciplina específica, desenvolver as competências que contribuam com a segurança do paciente (13).

Um estudo sobre a compreensão dos estudantes dos cursos de graduação da área da saúde sobre a segurança do paciente, demonstrou que o tema não estava inserido em qualquer disciplina específica na área da enfermagem, porém, no curso de odontologia havia uma disciplina formal sobre o tema. Para os outros cursos da área da saúde, foram evidenciadas palestras sobre o assunto (3).

O mesmo estudo, identificou que a segurança do paciente deve ser abordada de modo transversal nos cursos de graduação, perpassando por todas as disciplinas, o que influenciará o movimento de mudanças a curto, médio e longo prazo, que contribuirão para tornar a assistência mais segura e de qualidade (3).

Quanto aos processos metodológicos de ensino encontrados nos planos de ensino, evidenciou-se que a metodologia mais utilizada foi relacionada às aulas expositivas, porém, estudos afirmam que o processo de ensino precisa ser modificado (10). Atualmente este ainda é pautado em um modelo de educação tradicional, no qual o docente é visto como o detentor máximo de conhecimentos e ao discente cabe assimilar o máximo de informações possíveis em um determinado período.

Às metodologias tradicionais de ensino ainda são amplamente utilizadas na formação dos profissionais da saúde (14), porém há a necessidade de compreender que “ensinar vai muito além de transferir conhecimento, o professor deve apresentar aos seus alunos a possibilidade para a construção e a produção do seu próprio saber” (15). Neste contexto, o guia curricular sobre segurança do paciente da OMS, reforça que o ensino da temática precisa ser significativo para os alunos, por isso, é essencial que os professores busquem por estratégias metodológicas que instiguem o raciocínio clínico e reflexivo dos estudantes (4).

O aprendizado acontece quando o estudante consegue agregar um novo conhecimento aos que já existiam em sua estrutura cognitiva. Assim, para que esse ensino seja efetivo é necessário que o estudante apresente disposição para aprender e que o conteúdo a ser ensinado seja significativo para ele. Durante este processo, no qual o conhecimento passa a ter cada vez mais sentido, ocorrendo a ligação entre o novo e o conhecimento previamente adquirido, promovendo que ambos tornem-se compreensíveis. Com isso, percebe-se que o uso do ensino significativo envolve a utilização de metodologias ativas de aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento do raciocínio clínico do estudante (16).

O uso de metodologias ativas para o ensino em saúde vem crescendo e consolidando-se, com o intuito de fortalecer o aprendizado do estudante para o momento de inserção nos serviços de saúde, destacando-se a utilização da simulação clínica como uma estratégia potencial para os processos de formação profissional (17,18).

A simulação clínica permite aos estudantes experimentar a representação de um evento real com o objetivo de desenvolver competências, tomada de decisão, raciocínio clínico e autoconfiança; além disso por meio da simulação clínica o estudante terá sua primeira experiência de assistência em um ambiente controlado, evitando assim de expor o paciente às situações de risco pela sua falta de experiência (19,20).

Verifica-se que existem lacunas significativas referentes ao desenvolvimento do tema segurança do paciente no referido curso. Por isso, há necessidade de fortalecer no currículo caminhos que viabilizem a construção das competências profissionais necessárias para atender as necessidades de saúde da população e ainda, que considerem às transformações da educação e da segurança do paciente (10,21).

As limitações deste estudo relacionam-se ao uso exclusivo de documentos como fonte de pesquisa, considerando que por vezes são utilizadas estratégias ou abordados temas relevantes ao contexto, sem que estes sejam descritos nos documentos, da mesma forma, pode acontecer de elementos que se encontram descritos nos planos de ensino não são abordados de modo eficaz durante a referida disciplina. Outro fator que pode ser considerado como limitação foi a não avaliação de outras dimensões da formação profissional, como atividades de pesquisa e extensão, que são fundamentais para o aprimoramento da formação profissional, e ainda, a formação de professores para o ensino deste tema. Além disso, outra limitação evidenciada é o fato de a pesquisa ter sido realizada levando-se em consideração uma única realidade, o que inviabiliza a generalização dos resultados, porém alerta para a necessidade de avaliações semelhantes em toda a área da saúde.

Conclusão

O tema segurança do paciente foi evidenciado em um pequeno percentual das disciplinas do curso de graduação em enfermagem em estudo, demonstrando uma desarticulação em sua inserção no currículo do curso. Ainda, referente aos processos metodológicos utilizados, verificou-se a prevalência do uso de metodologias expositivo-dialogadas para abordagem dos temas relacionados com a segurança do paciente.

Estes achados alertam para a necessidade de reestruturar a abordagem para com a segurança do paciente durante a formação do enfermeiro, propiciando um ambiente profícuo para o desenvolvimento das competências necessárias para uma assistência segura, envolvendo a compreensão dos sistemas de segurança, dos erros humanos e das melhores estratégias que sevem ser utilizadas para evitá-los.

Esta investigação pode ser utilizada como um caminho para que outros cursos da área da saúde, de nível superior e técnico, repensem a inserção da segurança do paciente em seu currículo e na formação dos profissionais de saúde das diversas categorias profissionais. Este é um processo necessário para que a cultura de segurança do paciente seja fortalecida nas escolas e nos serviços de saúde.

Financiamento

Este estudo foi financiado pela Universidade Federal da Fronteira Sul. Campus Chapecó (Edital de Pesquisa Nº 1010/GR/UFFS/2018).

Conflito de interesses

Nenhum.

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