Interacção familiar e felicidade no trabalho: estudo comparativo com enfermeiros em pandemia COVID-19

Sección: Originales

Cómo citar este artículo

Borges EMN, Carneiro MTSM, Loureiro SAR, Trindade LL, Loureiro HMAM. Interacção familiar e felicidade no trabalho: estudo comparativo com enfermeiros em pandemia COVID-19. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2023; 13(2):6-14. Doi: https://doi.org/10.56104/Aladafe.0000.13.1021000403

Autores

1 Elisabete Maria das Neves Borges, Maria Teresa Sevivas Martins Carneiro, 3 Sofia Alexandra Ribeiro Loureiro, 4 Letícia de Lima Trindade, Helena Maria Almeida Macedo Loureiro

1  Doutora em Enfermagem. Escola Superior de Enfermagem do Porto. CINTESIS@RISE. Porto. Portugal. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6478-1008
2  Mestre em Direção e Chefia de Serviços de Enfermagem. Unidade Local de Saúde de Matosinhos EPE. Portugal. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7759-8280
3  Mestre em Direção e Chefia de Serviços de Enfermagem. Unidade Local de Saúde de Matosinhos EPE. Portugal. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7068-3324
4  Doutora em Enfermagem. Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil.  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7119-0230
5  Doutora em Ciências e Tecnologias da Saúde. Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro,  IBIMED. Portugal. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1826-5923

Contacto:

Email: elisabete@esenf.pt

Portugues

Título:

Interacção familiar e felicidade no trabalho: estudo comparativo com enfermeiros em pandemia COVID-19

Resumo:

Objetivo: comparar os níveis de felicidade e interação familiar em enfermeiros portugueses que exercem em contexto hospitalar e de cuidados de saúde primários, em plena vivencia de pandemia por COVID-19.
Metodologia: estudo descritivo, correlacional e transversal, realizado com uma amostra de conveniência de 468 enfermeiros portugue-ses, a exercer funções em contexto hospitalar e de cuidados de saúde primários. Entre março e abril de 2021, em contexto de pandemia COVID-19, aplicou-se um questionário sociodemográfico e profissional e a versão portuguesa da Survey Work-Home Interaction e da Shorted Happiness at Work Scale. Os dados foram colhidos por via digital e tratados com recurso ao programa IBM-SPSS® versão 26.0. Foi obtida aprovação da Comissão de Ética para a saúde e a autorização das unidades de saúde envolvidas.
Resultados: identificaram-se scores médios tendencialmente mais elevados de interação familiar positiva, na relação família-trabalho, nos enfermeiros que exercem no hospital e, de felicidade no trabalho, nos enfermeiros dos cuidados de saúde primários, ainda que sem relevância estatística entre os dois grupos de participantes. Em ambas as amostras, as dimensões engagement e compromisso organi-zacional afetivo evidenciaram médias superiores à da satisfação com o trabalho.
Conclusão: o impacto que a pandemia por COVID-19 exerceu em enfermeiros, fez-se manifestar tendencialmente no seu equilíbrio de interação trabalho-família. Os valores superiores de engagement e compromisso organizacional afetivo, comparativamente à da satisfação com o trabalho, obtidos nesta amostra de enfermeiros, poderá ter estado associado à dedicação, atividade e energia destes profissionais, quer pela ligação com a sua profissão, quer pelo compromisso para fazer face aos desafios da pandemia.

Palavras-chave:

equilíbrio trabalho-vida; felicidade; saúde do trabalhador; Família; enfermagem

Titulo:

Interacción familiar y felicidad en el trabajo: estudio comparativo con enfermeras en pandemia COVID-19

Resumen

Objetivo: comparar los niveles de felicidad e interacción familiar entre enfermeros portugueses que trabajan en entornos hospitalarios y de Atención Primaria de Salud en medio de la pandemia de la COVID-19.
Método: estudio descriptivo, correlacional y transversal, realizado con una muestra de conveniencia de 468 enfermeros portugueses, desempeñando funciones en el contexto hospitalario y de Atención Primaria de Salud. Entre marzo y abril de 2021, en el contexto de la pandemia de COVID-19, se administraron cuestionarios sociodemográficos y profesionales; y la versión portuguesa de la Encuesta de Interacción Trabajo-Hogar y la Escala Corta de Felicidad en el Trabajo. Los datos fueron recolectados digitalmente y tratados utilizando el programa IBM-SPSS versión® 26.0. Se obtuvo la aprobación del Comité de Ética en Salud y la autorización de las unidades de salud involucradas. Se contó con la aprobación del Comité de Ética.
Resultados: las puntuaciones medias tienden a ser más altas para la interacción familiar positiva en la relación familia-trabajo en las enfermeras que trabajan en hospitales y para la felicidad en el trabajo en las enfermeras de Atención Primaria de Salud. No se encontró relevancia estadística entre las dos muestras. En ambas muestras, las dimensiones compromiso y compromiso afectivo organizacional mostraron promedios más altos que la satisfacción laboral.
Conclusiones: el impacto que la pandemia por COVID-19 tuvo en las enfermeras se manifestó en general en su equilibrio de interacción trabajo-familia. Los mayores valores de compromiso y compromiso organizacional afectivo, en comparación con el de satisfacción laboral, obtenidos en esta muestra de enfermeros, pueden haber estado asociados con la dedicación, actividad y energía de estos profesionales, ya sea por la conexión con su profesión o por el compromiso de enfrentar los desafíos de la pandemia.

Palabras clave:

equilibrio entre vida personal y laboral ; Felicidad ; Salud laboral ; familia ; enfermería

Title:

Family interaction and happiness at work: a comparative study with nurses during the COVID-19 pandemic

Abstract:

Objective: to compare the levels of happiness and family interaction among Portuguese nurses working at the hospital and Primary Care settings during the COVID-19 pandemic.
Method: a descriptive, correlational and cross-sectional study, conducted on a convenience sample of 468 Portuguese nurses working at the hospital and Primary Care settings. During March and April 2021, in the context of the COVID-19 pandemic, sociodemographic and professional questionnaires were administered, as well as the Portuguese version of the Work-Home Interaction Survey and the Job Satisfaction Brief Scale. Data were digitally collected and treated using the IBM-SPSS program version® 26.0. There was approval by the Healthcare Ethics Committee and authorization by the health units involved.
Results: the mean scores for positive family interaction tend to be higher among nurses working at hospitals, and among Primary Care nurses regarding happiness at work. No statistical relevance was found between both samples. The commitment and emotional-organizational commitment presented higher average levels in both samples than satisfaction at work.
Conclusions: the impact of the COVID-19 pandemic on nurses was shown in general in the balance in their work-family interaction. The higher levels obtained in this sample of nurses for commitment and emotional-organizational commitment vs. satisfaction at work could be associated with the engagement, activity and energy of these professionals, either due to their connection to the profession or to their commitment for facing the pandemic challenges.

Keywords:

work-life balance; happiness; occupational health; familynursing

Introdução

O exercício da enfermagem expõe os seus profissionais a uma multiplicidade de riscos laborais que se fazem sentir, não apenas a nível profissional, mas também a nível individual e, consequentemente, a nível familiar (1-3). Esta realidade veio a agravar-se em tempo de pandemia por COVID-19, uma vez que a resposta adaptativa às novas circunstâncias laborais despoletado por este evento passou a constituir-se como um enorme desafio para todos os profissionais de saúde, com particular enfoque para os enfermeiros (4). A conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, pode ser entendida como o estado de equilíbrio razoável entre a vida profissional e a vida privada ou, ainda, expressa pelo comportamento que a pessoa protagoniza entre os contextos mediante as suas reações, positivas ou negativas (5). Terá sido um desses desafios (6-8) percecionados pelos enfermeiros, como sendo uma das dicotomias de maior de complexidade e de difícil de gestão nas suas vidas (9). Segundo diversos autores (10), as consequências negativas e a dificuldade em conciliar o trabalho e a família levam à existência de uma relação de conflito entre estas duas dimensões, podendo originar a redução do bem-estar, insatisfação com a vida em geral e com a vida familiar e, ainda, o aumento de problemas de saúde mental nos enfermeiros, tais como o burnout, a depressão ou o abuso de substâncias (11-13). Inversamente, a existência de interação positiva entre o trabalho e a família parece estar associada a uma maior satisfação profissional e familiar, aumento do bem-estar, da eficácia profissional, do aumento da motivação e do engagement (14).

Mas a vivencia da pandemia por COVID-19 impactou no estado de saúde mental (15) e fez suscitar outras interrogações nos enfermeiros, nomeadamente o quanto felizes se sentiam com o seu exercício profissional e o impacto que este teria na interação que estabeleciam com a sua família (16), com o risco biológico iminente, mais evidente, experiências familiares potencialmente limitadas e medo potencializado, antagonista da felicidade.

Entendida como um construto abrangente que engloba um elevado número de fenómenos, que vão desde estados de espírito e emoções transitórias, até atitudes e caraterísticas pessoais estáveis, tanto a nível pessoal, como coletivo (17), a felicidade no trabalho é considerada como sendo constituída por sentimentos agradáveis ou experiências afetivas positivas, envolvendo também a necessidade de o trabalho ser significativo para o trabalhador. Ainda que fonte de satisfação e de desenvolvimento humano, as significativas alterações que se foram operando nos contextos de trabalho da saúde ao longo dos últimos anos, resultantes das mudanças sociais, culturais, políticas, económicas e as decorrentes científico-tecnológicas, foram suscitando novas adaptações que impactaram na forma como os enfermeiros se sentiam felizes com o seu trabalho (18) na interação com o seu sistema familiar. Todavia permanece ainda, escasso o conhecimento sobre as implicações da pandemia por COVID-19 no exercício dos profissionais de enfermagem em Portugal, mais especificamente de que forma os enfermeiros portugueses percecionavam a felicidade no trabalho e a forma como esta impactava com a sua interação familiar.

Desta forma, reconhecendo que distintos contextos de exercício profissional (hospital e cuidados de saúde primários) se caracterizam por uma multiplicidade de fatores que interferem nas variáveis apresentadas, tal como foi evidenciado por estudos empíricos anteriormente realizados (2,18), foi desenhado um estudo empírico que teve como principal objetivo: Comparar os níveis de felicidade e a interação familiar no trabalho em enfermeiros portugueses que exercem em contexto hospitalar e nos cuidados de saúde primários, em plena vivencia de pandemia por COVID-19.

Método

Foi realizado um estudo quantitativo, correlacional, comparativo e transversal com enfermeiros portugueses que trabalhavam em diferentes contextos de cuidados (hospital e cuidados de saúde primários), do distrito do Porto, responsáveis pela vigilância dos cuidados de saúde de aproximadamente 175.000 habitantes e com tempo de experiência profissional igual ou superior a um ano, orientado segundo a ferramenta STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE).

Integraram o estudo enfermeiros com tempo de exercício profissional na instituição igual ou superior a seis meses e foram excluídos os enfermeiros que estivessem ausentes com algum tipo de licença (ex. parental, casamento ou férias) durante o período de recolha de dados que decorreu entre março e abril de 2021, em pleno período pandémico por COVID-19.

A amostra foi constituída por conveniência num total de 468 enfermeiros portugueses, 363 (54,1%) de hospitais e 105 (49,5%) dos cuidados de saúde primários.

Foi aplicado um questionário sociodemográfico e profissional para caracterização da amostra (sexo, idade, estado civil, ter filhos, habilitações académicas, tempo de experiência profissional, horário de trabalho, ter pessoas dependentes a cargo, trabalho stressante e, atividades de lazer), as versões portuguesas do Survey Work-Home Interaction NijmeGen (SWING) (11,19) e da Shorted Happiness at Work Scale (SHAW)(17-18).

O SWING inclui 22 itens avaliados através de uma escala de 4 pontos de Likert (variando de 0-Nunca a 3-Sempre) e 4 dimensões: interação trabalho-família negativa (8 itens); interação família-trabalho negativa (4 itens); interação trabalho-família positiva (5 itens) e interação família-trabalho positiva (5 itens). Nas dimensões, pontuações elevadas correspondem a níveis elevados de interação bidirecional entre trabalho e família, seja positiva ou negativa (11,19).

A SHAW inclui 9 itens distribuídos em três dimensões: engagement, satisfação profissional e compromisso organizacional afetivo, cada uma com três itens avaliados através de uma escala Likert de 7 pontos (variando de 1-discordo totalmente a 7-concordo totalmente), quanto maior for o valor obtido, maior será a felicidade no trabalho (17-18).

O coeficiente Alfa do Cronbach calculado para cada dimensão apresentou valores de boa consistência interna, com níveis ligeiramente superiores para a amostra dos enfermeiros dos cuidados de saúde primários (Tabela 1). Estes resultados corroboram resultados de outros estudos que utilizaram os mesmos instrumentos (11,18-20).

Foi obtida a aprovação pela Comissão de Ética para a Saúde (Informação nº 113/CE/JAS de 11/12/2020) e a autorização das instituições envolvidas para a realização do estudo.

Considerando o contexto da pandemia por COVID-19, vivenciado no momento de realização do estudo, o questionário foi aplicado via online. Previamente, os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e convidados a participar dando o seu consentimento informado. De acordo com o procedimento da instituição, o link de acesso ao questionário foi disponibilizado pela enfermeira supervisora, após conceder o seu consentimento.

Os dados foram analisados com recurso ao programa IBM-SPSS® versão 26.0. Para a análise exploratória dos dados, foram calculadas as frequências absolutas e relativas, média e, desvio padrão. A consistência interna das escalas foi determinada através do coeficiente Alfa de Cronbach. Para estatísticas inferenciais, o teste t de Student e o nível de significância estatística considerado em todas as análises foi de 0,05.

Resultados

A caracterização sociodemográfica e socioprofissional das amostras (Tabela 2) mostrou que a maioria dos participantes era do sexo feminino, vivia com um parceiro, tinha filhos, licenciatura, não tinha nenhuma pessoa dependente a cargo, considerava o seu trabalho stressante e estava envolvida em atividades de lazer fora do horário de trabalho. A média mais elevada de idade e de anos de experiência profissional foi encontrada nos enfermeiros dos cuidados de saúde primários, também possuíam na sua maioria a categoria de enfermeiro especialista, horário de trabalho fixo, e trabalho stressante. Já os enfermeiros que trabalhavam no hospital eram na sua maioria detentores da categoria de enfermeiro generalista e tinham horário de trabalho por turno rotativo.


Quanto à análise comparativa entre os contextos de trabalho, não foram encontradas diferenças significativas para nenhuma das dimensões da SWING e SHAW (Tabela 3). No entanto, apesar de não ter sido encontrada relevância estatística, houve uma tendência para scores médios mais elevados nas dimensões de interação trabalho-família negativo e interação família-trabalho positiva em ambas as amostras em estudo, embora com valores moderadamente mais elevados nos enfermeiros do hospital. Relativamente à felicidade no trabalho, os enfermeiros dos cuidados de saúde primários apresentaram tendência para valores médios mais elevados de engagement e de compromisso organizacional afetivo, sendo, de igual modo, nestas dimensões que os enfermeiros dos dois contextos revelaram mais elevado nível de felicidade.

Discussão

Tem-se verificado, nos últimos anos, uma maior atenção para o papel da família e a sua relação na qualidade de vida do trabalhador, assim como na produtividade e visibilidade das organizações (7-8,21).

A relação trabalho-família e família-trabalho identificada nos enfermeiros participantes deste estudo, revelam a influência positiva que a família assume no trabalho, assim como a vertente negativa que o trabalho comporta na dinâmica familiar. Além disso, estudos com enfermeiros que exercem em contexto hospitalar e em contexto de cuidados de saúde primários apresentaram resultados semelhantes (11,22). Também uma investigação que integrou enfermeiros portugueses e espanhóis identificou maior influência negativa na direção trabalho família, com valores médios ligeiramente superiores aos do presente estudo (10). Salienta-se que o desenvolvimento do presente estudo, em momentos da pandemia por COVID-19, caraterizados pela sobrecarga de trabalho, escassez de recursos humanos, alterações na organização do trabalho (espaços físicos, horários, natureza dos cuidados) estados emocionais negativos (ansiedade, medo, insegurança), poderão ter tido um impacto significativo nesta interação negativa entre o trabalho e a família (16).

De igual modo, a constatação da influência do trabalhado na dinâmica familiar tem sido alvo de atenção e maior visibilidade na comunidade científica (23-25). Um outro estudo aponta para a relação trabalho família como preditores significativos da intenção de rotatividade profissional e organizacional (26).

As tendências dos níveis de interação familiar encontrados em função do contexto laboral, ainda que sem resultados significativamente estatísticos, corroboram outros estudos desenvolvidos em enfermeiros na Europa, nomeadamente portugueses e espanhóis com aplicação do mesmo instrumento (10,22).

No que se refere aos níveis superiores de felicidade no trabalho (engagement e compromisso organizacional afetivo) e inferiores de satisfação com o trabalho são similares aos de outros estudos desenvolvidos com enfermeiros (1,18,27). Contudo, o facto de terem sido obtidos valores superiores de engagement nesta amostra de enfermeiros, tal poderá ter estado associado à dedicação, vigor e energia destes profissionais, quer pela ligação com a sua profissão, quer pelo compromisso para fazer face aos desafios que a pandemia por COVID-19 lhes colocou.

Na sequência da Teoria das Transições de Afaf Meleis (28), a análise dos resultados do presente estudo produz interpretações interessantes quanto aos possíveis efeitos que a transição pandémica por COVID-19 poderá ter suscitado no processo adaptativo nos profissionais de saúde. Os resultados evidenciam que os enfermeiros participantes neste estudo experimentaram os efeitos da transição situacional e de saúde/doença, não só na perceção do bem-estar em relação ao seu local de trabalho (felicidade no trabalho) mas também numa perspetiva bivalente, como os fatores determinantes da sua saúde pessoal e familiar (interação família/trabalho). Este facto revelou o impacto significativo da pandemia nos contextos dos serviços de saúde, enfatizando ao mesmo tempo o reconhecimento de que, para estes profissionais, a família terá sido uma importante fonte de força e de resiliência necessária para a adaptação à mudança (16).

Assim, um aspeto que pareceu digno de um particular enfoque e reflexão foi a relevância que a instituição família permanece a representar para todos os seus elementos constituintes, e em especial para os enfermeiros em estudo. Neste âmbito, as evidencias demonstraram que o sistema familiar constituiu um importante suporte emocional para os enfermeiros, ajudando a suportar o extremo cansaço, desespero e até mesmo o medo do futuro desconhecido que na época assolava as suas mentes (4).
Esta perspetiva saiu reforçada quando as evidências deram conta que os acontecimentos ocorridos no trabalho passaram a ser fonte de problema para a família, como foram exemplo, as situações em que as famílias dos enfermeiros ficaram privadas de interação de afetividade parental, de momentos intimidade conjugal e, de outros reveladores de pleno estado de saúde familiar que decorreram de estados de isolamento e/ou de contágio, por vezes até mesmo estes transportado para as suas famílias, com todas as implicações emocionais e de auto culpabilidade que acarretariam (4,16). As evidencias deste estudo vêm também reforçar a importância que os trabalhadores europeus atribuem à família, enquanto instituição promotora de estratégias de coping e de resiliência para enfrentar determinadas adversidades laborais (29).

Será importante destacar ainda que as caraterísticas de género assumidas pela amostra, nomeadamente o facto de esta ser maioritariamente constituída por mulheres, se por um lado poderá ter traduzido um maior nível de stresse (por serem estas as habituais cuidadoras da família), por outro lado terá gerado um sentimento de realização profissional pela perceção de competência e de dever cumprido, em resposta a dois dos principais domínios da sua vida: família e trabalho. Este último achado decorrente da iniquidade permanecente nas sociedades ocidentais contemporâneas, já que “Women continue to struggle more than men in the area of working time, trying to manage the time demands of work and family responsibilities” (29).

Conclusão

Ainda que não se tenham verificado diferenças estatisticamente significativas que permitissem fazer uma clara distinção entre a perceção de felicidade no trabalho e da interação trabalho-família em enfermeiros que exercem na área hospitalar e nos cuidados de saúde primários, os valores superiores de engagement e compromisso organizacional afetivo, comparativamente à da satisfação com o trabalho, obtidos nesta amostra de enfermeiros, poderá ter estado associado à dedicação, vigor e energia destes profissionais, quer pela ligação com a sua profissão, quer pelo compromisso para fazer face aos desafios da pandemia.

Considera-se que o presente estudo pode contribuir para implementação de projetos que promovam a saúde no local de trabalho, assegurando a preservação do bem-estar e saúde dos profissionais de enfermagem.

Conflito de interesses

Nenhum.

Financiamento

Este artigo foi apoiado por National Funds through FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., within CINTESIS, R&D Unit (reference UIDB/4255/2020).

Bibliografía

  1. Loureiro H, Ângelo M, Mendes A. Family and work: precepted conciliation for advanced age workers. Suplemento digital Rev ROL Enferm. 2020; 43(1):104-9.
  2. Labrague LJ, Obeidat AA. Transformational leadership as a mediator between work–family conflict, nurse reported patient safety outcomes, and job engagement. J Nurs Scholarsh 2022 Jul; 54(4):493-500. Doi: http://doi.org/10.1111/jnu.12756
  3. Matarsat HMH, Rahman HA, Abdul-Mumin K. Work-family conflict, health status and job. BJN 2021; 30(1). Doi: https://doi.org/10.12968/bjon.2021.30.1.54
  4. Luttik M, Mahrer-Imhof R, García-Vivar C, Brodsgaard A, Dieperink K, Imhof L, et al. The COVID-19 Pandemic: A Family Affair. J Fam Nurs. 2020 Jan 1; 26(2):87-9. Doi: https://doi.org/10.1177/1074840720920883
  5. EUROSTAT. The european pillar of social rights in 20 principles [internet]. European Commission; 2021 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/economy-works-people/jobs-growth-and-investment/european-pillar-social-rights/european-pillar-social-rights-20-principles_pt
  6. Eurofound. Working conditions and sustainable work: An analysis using the job quality framework, Challenges and prospects in the EU series. Publications Office of the European Union [internet] 2021 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://www.eurofound.europa.eu/sites/default/files/ef_publication/field_ef_document/ef20021en.pdf
  7. International Labour Office. Working from home: From invisibility to decent work. ILO [internet]; 2021 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_765806.pdf
  8. World Health Organization & International Labour Organization. Caring for those who care: guide for the development and implementation of occupational health and safety programmes for health workers [internet]. Geneva: WHO; 2022 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240040779
  9. Ruiz-García P, Castanheira AM, Borges E, Mosteiro-Díaz M-P. Workaholism and work-family interaction among emergency and critical care nurses. Intensive Care Med. 2022 Oct; 72:103240. Doi: https://doi.org/10.1016/j.iccn.2022.103240
  10. Borges E, Sequeira C, Queirós C, Mosteiro-Dias M. Workaholism, engagement and family interaction: Comparative study in Portuguese and Spanish nurses. J Nurs Manag. 2020; 29(4):731-40. Doi: https://doi.org/10.1111/jonm.13213
  11. Pereira AM, Queirós C, Gonçalves SP, Carlotto M, Borges E. Burnout and work-family interaction among nurses: An exploratory study with the Survey Work-Home Interaction Nijmegen (SWING). RPESM. 2014 Jun; (11):24-30.
  12. Yeh TF, Chang YC, Hsu YH, Huang LL, Yang CC. Causes of nursing staff burnout: Exploring the effects of emotional exhaustion, work–family conflict, and supervisor support. Jpn J Nurs Sci. 2020 Nov 11; 18(2):e12392. Doi: https://doi.org/10.1111/jjns.12392
  13. Matsuo M, Suzuki E, Takayama Y, Shibata S, Sato K. Influence of Striving for Work–Life Balance and Sense of Coherence on Intention to Leave Among Nurses: A 6-Month Prospective Survey. Inquiry 2021 Mar 1; 58. Doi: https://doi.org/10.1177/00469580211005192
  14. Rantanen J, Kinnunen U, Mauno S, Tement S. Patterns of conflict and enrichment in work-family balance: A three-dimensional typology. 2013 Jan 1; Work & Stress, 27:2, 141-63. Doi: https://doi.org/10.1080/02678373.2013.791074
  15. Gherardi-Donato ECDS, Barbosa MR, Fernandes M, Díaz-Serrano KV, Silva GV da, Reisdorfer E, Gonçalves-Ferri WA. Saúde mental e Mindfulness disposicional de profissionais da saúde durante a pandemia da COVID-19. Rev. iberoam. Educ. investi. Enferm. 2022; 12(3):8-20. Doi: https://doi.org/10.56104/Aladafe.2022.12.1021000386
  16. Borges EMN, Queirós CML, Vieira MRFSP, Teixeira AAR. Perceptions and experiences of nurses about their performance in the COVID-19 pandemic. Rev Rene. 2021 Jan; 22(1):1-8. Doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20212260790
  17. Salas-Vallina A, Alegre J, Guerrero RF. Happiness at work in knowledge-intensive contexts: Opening the research agenda. Eur. Res. Manag. Bus. Econ. 2018 Sep 1; 24(3):149-59. Doi: https://doi.org/10.1016/j.iedeen.2018.05.003
  18. Feitor S, Martins T, Borges E. Shorted Happiness at Work Scale: Psychometric Proprieties of the Portuguese Version in a Sample of Nurses. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2023 jan; 20:658. Doi: https://doi.org/10.3390/ijerph20010658
  19. Geurts SE, Taris T, Kompier MJ, Dikkers JE, Van Hooff MM, Kinnunen U. Work-home interaction from a work psychological perspective: Development and validation of a new questionnaire, the SWING. Work & Stress. 2005 Oct; 19(4):319-39.
  20. Faria S, Queirós C, Borges E, Abreu M. Nurses’ mental health: Contributions of burnout and job engagement. Portuguese Journal of Mental Health Nursing. 2019 Dec; (22):9-18. Doi: http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0258
  21. Direção Geral da Saúde. Proteção e promoção da saúde dos trabalhadores - robustecer os serviços de saúde Ocupacional perante os desafios da COVID-19. Direção Geral da Saúde [internet] 2022 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://www.dgaep.gov.pt/CORONAVIRUS/docs/Prot_prom_saude_trabalhadores_30_abr_2021.pdf
  22. Pereira A. Interação trabalho-família em profissionais das unidades de saúde familiar: impacto dos fatores psicossociais e de recuperação diária na saúde ocupacional. [internet]. Porto (Portugal): Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação; 2016 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/102334/2/177923.pdf
  23. Raffenaud A, Unruh L, Fottler M, Liu AX, Andrews D. A comparative analysis of work-family conflict among staff, managerial, and executive nurses. Nursing Outlook. 2020 Mar 1; 68(2):231-41. Doi: http://doi.org/10.1016/j.outlook.2019.08.003
  24. Luiz de Andrade A, Drumond Moraes T, Martins Silva P, Silveira de Queiroz S. Work-Family Conflict in professionals in the hospital environment: analysis of predictors. Psicología (02549247). 2020 Jul; 38(2):451-78. Doi: http://doi.org10.18800/psico.202002.004
  25. Zurlo MC, Vallone F, Smith AP. Work–family conflict and psychophysical health conditions of nurses: Gender differences and moderating variables. Jpn J Nurs Sci. 2020 Jul;17(3):1-12. Doi: https://doi.org/10.1111/jjns.12324
  26. Labrague LJ. Organisational and professional turnover intention among nurse managers: A cross-sectional study. J Nurs Manag. 2020 Sep; 28(6):1275-85. Doi: https://doi.org/10.1111/jonm.13079
  27. Salas-Vallina A, Pozo-Hidalgo M, Gil-Monte PR. Are Happy Workers More Productive? The Mediating Role of Service-Skill Use. Front. Psychol. 2020 Mar 1; 11. Doi: http://doi.org.10.3389/fpsyg.2020.00456
  28. Meleis AI, Sawyer LM, Im E, Messias DKH, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000 Sep; 23(1):12-28. Doi: http://doi.org/10.1097/00012272-200009000-00006
  29. Eurofound. Living and working in Europe 2021. Publications Office of the European Union [internet]; 2022 [citado 15 feb 2023]. Disponível em: https://www.eurofound.europa.eu/sites/default/files/ef_publication/field_ef_document/ef22029en.pdf